Depois de passada a pandemia do coronavírus, um novo mundo do trabalho deverá ser construído. É o que dizem intelectuais, filósofos e economistas, entre outros intelectuais que estudam a sociedade.
Porém, fica a pergunta: um novo mundo será criado, ou o velho capitalismo será recriado, e em bases ainda mais excludentes?
Essa foi a questão que movimentou o debate entre o ex-ministro das Comunicações, das Relações Institucionais, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, Ricardo Berzoini, e o professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Giovanni Alves.
Dentro de um panorama sobre economia, ambos se dedicaram a falar sobre um tema que preocupa a esmagadora maioria das pessoas: a transformação no mundo do trabalho.
O trabalho pautou importantes décadas no Brasil
Para o ministro, cuja trajetória no movimento sindical começou como delegado sindical de base no governo Sarney (1985 a 1990) e chegou à presidência do SPBancários durante os anos FHC, o capital busca diferentes desculpas para retirar direitos.
Seja um mercado de trabalho excludente, que empurra grande parte dos trabalhadores para informalidade, seja a tecnologia, tudo é desculpa para fazer com que o trabalhador pague pela crise, aponta o ministro. E tudo é usado para atrapalhar a organização dos trabalhadores, seja desacreditando, seja desfinanciando os sindicatos.
No mesmo sentido, Berzoini ainda fala que hoje existe uma radicalização, mas que a retirada de direitos vem ocorrendo há tempos. No que é apoiado pelo professor Giovanni, que cita a segunda onda de ofensiva neoliberal no Brasil, posterior à queda da presidente Dilma Roussef.
Traçando um breve panorama, o professor Giovanni fala sobre a questão do trabalho nos últimos períodos no Brasil. Segundo ele, desde a década de 1980, quando houve a explosão do sindicalismo no Brasil, a grande derrota da Frente Brasil Popular nos anos 1989, a sociedade estava muito viva. Contudo, a vitória de Fernando Collor de Mello gerou uma inflexão, uma guinada neoliberal, que durou até Fernando Henrique Cardoso: mesmo reeleito, FHC não conseguiu fazer as reformas que o capital queria porque sofreu pressão popular, incluindo de sindicatos.
A terceira onda
O professor Giovanni e o ex-ministro Berzoini concordam que a pandemia é um momento de radicalização da retirada de direitos, sobretudo com a edição de medidas provisórias anti-trabalhador. Mas também concordam que, desde 2016, há uma aceleração na retirada de direitos dos trabalhadores.
Segundo Berzoini, cuja trajetória política foi construída no movimento sindical, “os sindicatos infelizmente não se atualizaram”. Ele espera um amadurecimento que leve a ações não só nos locais de trabalho, cada dia mais descentralizados. Ele acredita que é preciso ir para os bairros, buscar a classe trabalhadora explicando a necessidade de se fortalecer em entidades. Ele acredita também que a organização por categoria vai permanecer, mas para uma minoria. Devido à informalidade e às novas formas de precarização do trabalho, será necessário um modo de expandir a cobertura sindical para todos.
O ano de 2016 é um momento chave para a retomada neoliberal no Brasil. O professor Giovanni cita o governo Temer como fomentador da ofensiva, com a implementação do Teto de Gastos, a precarização dos empregos no setor público e a reforma trabalhista. Da mesma forma age o governo Bolsonaro, com o ônus de ser contemporâneo da pior depressão econômica do século.
O futuro do trabalho está em disputa e o trabalhador precisa se posicionar
A perspectiva de depressão – em um Brasil altamente desigual econômica e socialmente e com o mundo do trabalho em frangalhos – é o desafio pós-pandemia. E para que os trabalhadores consigam intervir nessa realidade pós-apocalíptica, é necessário se organizar.
Berzoini lembra que no País, o trabalhador não sente que pertence a uma categoria. E ainda aprofunda o tema, dizendo que “isso se reflete no número de sindicalizados, que sempre foi baixo, com exceção de algumas categorias como bancários, professores, metalúrgicos e petroleiros”. Esse é só um dos desafios que precisarão ser superados pelos sindicatos.
“Nós não estamos preparados para o futuro e isso é da cultura brasileira”, afirma o professor. E prossegue: “É preciso começar de forma estratégica, pensando na refundação do Estado brasileiro”.
E nessa perspectiva, é preciso entender que o mundo do trabalho é mais amplo que o mercado do trabalho. Apenas uma parcela da sociedade tem o privilégio de pertencer a uma categoria e ter uma representação sindical. Incluir trabalhadores formais, informais e ainda os novos informais iberizados – é urgente.
Se o futuro apresenta um cenário de desemprego de mais de 17 milhões de pessoas, é preciso que “nesse momento as regras fiscais e monetárias têm que ser relativizadas para que possa haver uma saída”, disse Berzoini.
Ao que foi acompanhado pelo professor Giovanni, “é preciso construir uma unidade para defender os direitos da civilização”.