Bancos lucram R$ 27 milhões por hora. Economista defende reforma no SFN
16/08/2013 - Por Bancários CGR
Os quatro grandes bancos (BB, Itaú, Bradesco e Santander) que divulgaram balanço até agora apresentaram lucro líquido somado de R$ 26 bilhões no primeiro semestre. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10, Paulo Kliass fez as contas e descobriu que isso deu R$ 211 milhões para cada dia útil, ou quase R$ 27 milhões por hora.
Indignado, o economista defende em artigo que publica nesta sexta-feira 16 no site da Agência Carta Maior proposta semelhante à da Contraf-CUT: a sociedade brasileira precisa discutir o papel do sistema financeiro nacional. Veja abaixo o artigo.
É possível um outro sistema financeiro?
Paulo Kliass (*)
Agência Carta Maior
Apenas poucos dias após os principais bancos privados apresentarem seus resultados relativos ao primeiro semestre deste ano, agora vem a notícia bombástica do Banco do Brasil (BB). A maior instituição financeira nacional, um banco bicentenário e constituído sob a forma de empresa de economia mista, registrou em seu balanço o maior lucro semestral de uma instituição do gênero no País. Foram R$ 10 bilhões de lucro líquido no período de janeiro a junho.
A divulgação de tais números espantosos deveria contribuir para a ampliação do debate a respeito das funções e do modelo do sistema financeiro nos tempos de hoje, no capitalismo global e também aqui em nossas terras.
Afinal, se somarmos esse lucro do BB aos outros 3 maiores bancos privados, chegaremos à cifra de R$ 26 bi somente para o primeiro semestre. Como houve 123 dias úteis no período, podemos raciocinar com um lucro líquido diário de R$ 211 milhões apenas para os 4 grandes bancos. Um lucro horário de quase R$ 27 mi em jornada de 8 horas e de quase meio milhão de reais por minuto. Uma loucura! São números que escancaram a supremacia do poder do financismo e a total submissão das autoridades governamentais à sua força.
Bancos públicos quase privados
Em termos bastante objetivos, um banco não produz nada. Outra particularidade interessante: um banco não opera com recursos próprios. Os bancos oferecem serviços, aos quais a maioria da população é obrigada a recorrer para sobreviver na sociedade, tal como ela se organiza nos dias de hoje. Mas a cada nova etapa de desenvolvimento do sistema capitalista, eles se fortalecem em sua função de promover a intermediação de recursos e de oferecer um conjunto enorme de novos serviços que combinam evolução tecnológica e instrumentos sofisticados do sistema financeiro.
Como muitas dessas funções são de natureza pública e ocorrem em ambientes bastante oligopolizados, faz-se necessária a presença do Estado. Seja como agente direto (por meio de bancos estatais), seja por meio da regulação, da fiscalização e do controle das atividades do setor.
Felizmente para a sociedade brasileira, a onda do neoliberalismo não logrou levar a cabo a privatização dos dois maiores bancos públicos, que ainda pertencem ao governo federal e se subordinam ao Ministério da Fazenda. Refiro-me ao BB e à Caixa Econômica Federal (CEF). Mas tais instituições continuaram a operar praticamente como se privadas fossem, seja na sua relação com a clientela seja na política de concessão de crédito.
Quem é correntista de algum deles sabe das práticas a que seus funcionários são obrigados a desenvolver, em função de uma orientação estratégica geral da direção da empresa. Direito do consumidor, critérios básicos de cidadania? A coisa passa longe desse tipo de princípio, uma vez que o interesse é a realização de resultados, o lucro no final do exercício.
Durante alguns meses, em 2011, ainda houve um início de movimento para que os 2 gigantes fossem utilizados pelo governo como importante instrumento de política econômica, com o intuito de obrigar a banca privada a reduzir suas margens de ganho e pressionar a que oferecessem crédito a taxas de juros mais "razoáveis". Porém, logo em seguida tudo voltou como dantes, no quartel de Abrantes.
Mas, afinal, qual é a lógica de estabelecer uma regra de conduta para o maior banco público que seja a de se comportar à maneira de seus concorrentes privados e buscar a obtenção de lucros a qualquer preço?
Lucro não é melhor critério de eficiência
Na verdade, há uma grande confusão entre a necessidade de melhoria no funcionamento das empresas e instituições públicas e o fato delas se mirarem no exemplo dos conglomerados privados como critério de aferição de sua eficiência. Nada mais equivocado, especialmente em se tratando de um setor como o financeiro.
O BB não será mais eficiente em sua ação se continuar trilhando o caminho da "bradesquização" de suas atividades. Mimetizar o desempenho do financismo privado não soma ponto algum à avaliação do retorno que o BB proporciona à sociedade brasileira. O enfoque do lucro como instrumento de avaliação da performance da empresa deixa de considerar que a natureza pública da instituição deve prevalecer em qualquer análise de seu desempenho.
Um banco público deve, sim, apresentar uma eficiência em sua ação. E nesse aspecto existe ainda um longo caminho a ser percorrido. Parece desnecessário repetir aqui o óbvio. O ponto a reter, no entanto, é que os meios de se avaliar a qualidade de sua ação devem ser diferentes dos utilizados pelos bancos privados. Mais do que qualquer outra instituição financeira, o banco estatal deve dar conta de bons retornos em termos de sua função social.
A acumulação de lucros a qualquer preço deveria passar longe de seus programas de planejamento estratégico. Sua prioridade deve ser a oferta de crédito a setores e clientes que não conseguem acesso no mercado privado, bem como a utilização de sua vasta rede de agências pulverizadas para reforçar o contato mais estreito com as comunidades espalhadas pelo Brasil afora
A generalização das atividades financeiras em nossa sociedade e a dependência cada vez maior dos indivíduos, famílias e empresas a esse tipo de alternativa em nossas vidas cotidianas são fenômenos que carregam uma força e um sentido inequívocos. No entanto, a lógica a nortear nossas relações sociais e econômicas deveria ser o reconhecimento da função social das instituições financeiras - tanto as públicas quanto as privadas.
Com isso, não poderia haver espaço para prejuízos provocados à maioria da população pela ação espoliadora da banca. Caberia ao Estado, por meio de seus grandes bancos e por intermédio da regulamentação (via Banco Central), o estabelecimento de condições para evitar abusos e limites no comportamento de tais instituições.
Alternativas: cooperativas de crédito e bancos éticos
Por outro lado, também seria essencial que a administração pública estimulasse o surgimento e o fortalecimento de outras formas de organizações financeiras. Alguns exemplos podem ser lembrados, por se situarem justamente fora da lógica da instituição financeira privada que visa tão somente o lucro.
É o caso, por exemplo, das cooperativas de crédito. Elas são o espaço, por excelência, onde se concretiza a máxima de colocar em contato os poupadores de recursos e aqueles que necessitam dos mesmos na forma de empréstimo. Como a cooperativa não tem por objetivo a realização de lucro, as taxas e as margens praticadas nas operações podem ser bastante reduzidas na comparação com aquelas utilizadas pela banca privada.
Deveria ser enfatizado também o movimento dos chamados bancos éticos, que ganha cada vez mais força no espaço europeu. O aprofundamento da crise econômico-financeira naquele continente tem reduzido bastante a credibilidade social nas instituições bancárias tradicionais. O contraponto a essa falta de confiança no sistema em geral, e nos bancos em particular, é a busca de alternativas para as aplicações e os empréstimos.
Em geral, os bancos éticos são instituições que oferecem taxas mais reduzidas, tanto na captação dos recursos quanto na oferta de crédito na outra ponta. Além disso, não operam com empresas ou setores de alto risco e comprometem-se com os princípios da sustentabilidade (econômica, social e ambiental) e da transparência em suas operações.
A natureza particular da atividade financeira transforma o setor em elemento que sintetiza as contradições sociais e econômicas de toda a sociedade. Ali estão presentes os aspectos mais marcantes do capitalismo contemporâneo. O sistema financeiro é intrinsecamente portador e reprodutor da desigualdade. Basta ver a diferença de tratamento na forma como são atendidos os clientes VIP e a grande massa de assalariados, aposentados/pensionistas e demais beneficiários de programas sociais.
O sistema financeiro comporta um alto grau de assimetria entre aquilo que o economês chama de "agentes da oferta e agentes da demanda". Um punhado de conglomerados que cabem nos dedos das mãos em relação comercial junto a centenas de milhões de usuários, correntistas e clientes.
O sistema financeiro é espoliador de recursos e direitos da grande maioria dos indivíduos e empresas que são obrigados a se utilizar de seus serviços. Basta ver a quantidade de tarifas que conseguem cobrar (com a complacência dos órgãos fiscalizadores) e os lucros bilionários que conseguem acumular a cada exercício.
Tributação para promoção de maior justiça social
Esse é um dos argumentos para que ele seja o locus por excelência para se praticar maior grau de justiça fiscal e social. O princípio da Taxa Tobin também deve ser aplicado nas transações financeiras no interior do território nacional. Assim, caberia a criação de alíquotas progressivas desse tipo de imposto, de acordo com o valor das transações efetuadas.
O valor da tributação pode ser absolutamente residual no âmbito de cada operação individualmente (era o caso da extinta CPMF), mas certamente resultará em volumes significativos, quando arrecadados no conjunto das atividades financeiras ao longo de um determinado período de tempo.
Finalmente, um sistema financeiro mais justo e solidário deve comportar alíquotas de imposto de renda mais elevadas, com o objetivo de promover um maior retorno social para os lucros acumulados privadamente no interior dos grandes conglomerados empresariais que o compõem.
E veja que não cabe o argumento de que isso viria inviabilizar o sistema privado, em razão da suposta alta carga tributária. Trata-se apenas de reduzir a margem de lucratividade estratosférica do setor, obrigando a que as instituições que o integram participem de forma mais ativa de sua própria função social.