O pior momento do mercado financeiro mundial desde a crise econômica de 2008 explicitou como as políticas neoliberais, as reformas e as políticas fiscais dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, como a do teto de gastos, deixaram a economia do Brasil vulnerável.
O economista Marco Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vai além. “Elas amarraram a própria capacidade do governo de reagir no curto prazo”. Em sua avaliação, as dificuldades de reação dos governos brasileiros diante de crises não foram criadas recentemente, mas vêm se desenvolvendo historicamente. “Aos poucos, fomos cancelando a possibilidade de utilização de mecanismos importantes para a resolução de crises no curto prazo. Isso está inserido inclusive em reformas muito anteriores, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, do governo Fernando Henrique Cardoso. Essas reformas impedem as políticas anticíclicas”, diz Rocha.
A crise mundial chega num momento muito difícil para a economia brasileira, com 12 milhões de desempregados, quase o mesmo número de subempregados, destaca Rocha. Além disso, o governo argumenta que a solução de uma crise estaria no prosseguimento das reformas, como a tributária e a administrativa.
Para Marco Antonio Rocha, mesmo que as reformas produzissem algum resultado, o que é improvável, esses resultados só viriam no médio e longo prazos, enquanto o impacto da crise se dá no curto prazo. “Seria importante haver mecanismos de curto prazo para conter os efeitos da crise. O país vem de reformas sem nenhum resultado”. A Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, do governo Michel Temer, e as reformas trabalhista e da Previdência são exemplos emblemáticos.
De acordo com Rocha, enquanto o governo acena com soluções de médio e longo prazo, o movimento do dólar pode trazer fortes impactos no país, repercutindo nos preços domésticos, provocando retração no consumo, e, consequentemente, dificultando ainda mais a retomada da economia brasileira, num contexto de desindustrialização que vem de longa data.
“Temos que lembrar que o dólar entra na formação do preço do trigo, na maior parte dos bens industriais produzidos no Brasil, na cesta de consumo, na composição do custo dos medicamentos etc.”, explica o professor da Unicamp. “A indústria já está esvaziada, e tem uma utilização de insumos importados muito grande.”
Petrobras
A guerra de preços de petróleo entre Rússia e Arábia Saudita pode causar estragos profundos na economia brasileira também graças à política de desintegração da Petrobras adotada pelo governo atual, afirma José Sergio Gabrielli, economista e ex-presidente da estatal.
Segundo ele, ao abrir mão da produção em refinarias e focar apenas na exportação de petróleo cru do pré-sal, Bolsonaro pôs o Brasil refém do mercado internacional, ao passo em que fez perder autonomia para ajustar preços e controlar estoques – o que, em teoria, traria mais segurança aos investidores e evitaria a queda de quase 30% no valor de mercado da estatal, nesta segunda.
Ainda conforme o ex-presidente da Petrobras, existe a possibilidade de os preços baixarem para o consumidor de combustíveis, por exemplo. No entanto, a variação dos valores também é dependente do mercado internacional, neste momento.
Já o economista Cloviomar Cararine, da subseção do Dieese na Federação Única dos Petroleiros (FUP), acredita que a atual política de preços atacou também a Petrobras. Ele critica a decisão de manter a empresa concentrada na exploração de petróleo bruto, reduzindo a sua capacidade de refino.
A perda de R$ 91 bilhões em valor de mercado em um único dia comprova que as políticas adotadas desde o governo Temer, e agravadas com Jair Bolsonaro, fragilizaram a empresa – acarretando perdas inclusive para os seus acionistas. “É um setor que deve ser olhado como estratégico, como uma questão de soberania dos países. Quem toma as decisões não são empresas, mas os países, como no caso da Rússia ou da Arábia Saudita. O Brasil abriu mão disso. Desde 2016, abriu mão do Estado tomar as decisões nesse setor”, afirma.
Preço dos combustíveis
Desde a mudança no curso político do país, ocorrido com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, a Petrobras já se desfez do controle da BR Distribuidora, por meio da venda de ativos, e privatizou a Liquigás. Além disso, a direção da estatal deu início, a partir de junho de 2017, a uma política de preços que resultou em reajustes consecutivos nos preços dos combustíveis.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), de junho de 2017 até o início de março deste ano, a gasolina sofreu reajuste de 28% e o diesel de 22% nos postos de combustíveis. Isso se explica pela opção da estatal em diminuir a produção das refinarias para cerca de 70% da sua capacidade e apostar na importação dos derivados. Por esse motivo, o preço dos combustíveis tem sofrido variações de acordo com o valor internacional da commodity.
Pibinho começa o ano ainda menor
Os números divulgados nesta terça-feira (10) pelo IBGE mostram que a situação está longe e melhorar. A produção industrial cresceu de dezembro para janeiro (0,9%), mas continua apresentando resultado negativo tanto na comparação anual (-0,9% ante janeiro de 2019) como no acumulado em 12 meses (-1%).
Na comparação com janeiro de 2019 – início do ano que terminou com o “pibinho” de 1,1% – , o IBGE registrou resultados negativos em duas das quatro categorias, em 13 dos 26 ramos, 36 dos 79 grupos e 48,7% dos 805 produtos. O maior impacto veio da área de indústrias extrativas (-15%), com pressão do item minérios de ferro. O setor de veículos automotores recua 0,8%.
Fonte: Contraf-CUT