CUT entra no debate da reforma tributária fazendo contraponto aos patrões
28/03/2011 - Por Bancários CGR
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) quer ter papel relevante nas  discussões sobre uma possível reforma tributária. O debate, sempre  presente na pauta em inícios de mandato, deve ganhar força nos próximos  meses. Ainda no primeiro semestre, o governo pretende encaminhar ao  Congresso um conjunto de medidas com o objetivo de simplificar as  cobranças e estimular o investimento. Para os sindicalistas, é a  oportunidade de levantar bandeira.
 
 A redação da proposta governista está a cargo de Nelson Barbosa,  secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Embora as opções ainda  estejam na mesa, sabe-se que serão medidas pontuais. Dilma Rousseff  acredita que a aprovação de uma ampla reforma no sistema estabelecido  pela Constituição de 1988 esbarre em inúmeros conflitos. Seus dois  antecessores tentaram e fracassaram. "Trata-se de um embate entre ricos e  pobres, Estado e mercado, Estado e Estado, e capital e trabalho",  afirma Barbosa.
 
 A aposta é que alguns tópicos podem avançar com mais facilidade do que  outros, razão pela qual os projetos serão apresentados separadamente.  Até o momento, são quatro as propostas em discussão. O governo quer  rever a tributação sobre as micro e pequenas empresas, unificar a  legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),  reduzir as cobranças que incidem sobre os investimentos e as  exportações e, finalmente, desonerar a folha de pagamento.
 
 Artur Henrique, presidente da CUT, afirma que a estratégia do governo é  equivocada. Segundo o sindicalista, as mudanças em estudo são  "cosméticas" e não enfrentam o problema central. "A estrutura tributária  atual é altamente regressiva e, por isso, injusta." No Brasil, os  impostos incidem principalmente sobre as mercadorias. Isso significa que  as famílias mais pobres, que destinam a maior parte de sua renda ao  consumo, pagam proporcionalmente mais tributos do que os ricos. Por isso  se diz que a carga regride conforme a renda aumenta.
 
 Segundo dados do IBGE, de 2003, um brasileiro que ganhe até dois  salários mínimos gasta quase metade de seu rendimento com o pagamento de  tributos e contribuições embutidos nos preços. Essa proporção é de  apenas um quarto para quem ganha mais de 30 salários. Em países como  Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Coreia do Sul, os impostos incidem  principalmente sobre a renda. Desse modo, quem ganha mais, paga  progressivamente mais.
 
 Essa peculiaridade faz crescer o abismo entre os ricos e pobres. Embora  tenha a nona maior economia, o Brasil possui a décima pior distribuição  de renda em todo o mundo, segundo dados do Banco Mundial e das Nações  Unidas. "É preciso ampliar essa discussão. Ela diz respeito ao modelo de  desenvolvimento que queremos para o Brasil, ao papel do Estado.  Trata-se de garantir que os mais ricos ajudem a levantar os fundos para  combater a pobreza, ampliar os serviços sociais e melhorar o serviço  público", afirma o sindicalista.
 
 Na última semana, a CUT reuniu suas- lideranças em Brasília para  discutir o tema. Além de formalizar uma proposta a ser levada ao  governo, os sindicalistas pretendiam afinar o discurso sobre um tema que  deverá ganhar espaço na imprensa. Em linhas gerais, a entidade defende  um projeto que aumente a cobrança de impostos sobre a renda e o  patrimônio, de modo que as famílias mais abastadas paguem mais impostos -  o que se chama de "progressividade". Uma das ideias é criar um tributo  sobre as grandes fortunas, que incidiria sobre o patrimônio líquido das  pessoas físicas e jurídicas de valor superior a 2,4 milhões de reais.  Nas contas- da -entidade, a medida garantiria uma arrecadação superior a  23 bilhões de reais, valor que financiaria uma política de valorização  do salário mínimo. Outra proposta é a de tributar os lucros e dividendos  distribuídos a pessoas físicas, isentos desde 1996.
 
 As chances de propostas como estas passarem pelo Congresso são quase  nulas. Nelson Barbosa, presente ao encontro da CUT, lembrou que mesmo  projetos neutros do ponto de vista da distribuição da renda, como a  encaminhada por Lula em seu primeiro ano de governo, enfrentaram  resistências enormes. Razão pela qual defendeu a abordagem "gradualista"  do governo Dilma. "As grandes reformas no Brasil aconteceram sempre em  períodos de exceção. Em uma democracia, elas são construídas." Mesmo  assim, o secretário disse que o governo estuda medidas para aumentar a  progressividade da estrutura tributária, embora não tenha citado  nenhuma.
 
 Os sindicalistas criticam, em particular, o projeto de desoneração da  folha de pagamento. Embora concordem com a ideia de reduzir os encargos  que incidem sobre o emprego, dizem que a medida coloca em risco a  previdência. Atualmente, os empresários contribuem com um valor  equivalente a 20% do salário do funcionário para a seguridade social. O  governo pretende reduzir essa participação em 2 pontos porcen-tuais ao  ano, até o limite de 14%. A medida teria o objetivo de amenizar o custo  das contratações, antiga reivindicação dos empresários, sob o argumento  de estimular a abertura de novas vagas.
 
 Henrique calcula que, se aprovado, o projeto vai subtrair 6 bilhões de  reais das receitas anuais da previdência. "Se não houver uma fonte de  recursos para compensar esse rombo, a previdência ficará comprometida em  alguns anos. E não é justo conceder esse benefício aos empresários e  sobrecarregar toda a sociedade." O presidente da CUT afirma que a  contribuição deveria incidir sobre o faturamento das empresas. Desse  modo, setores intensivos em capital, mas que contratam poucos  trabalhadores, como o de óleo e gás, pagariam proporcionalmente mais do  que aqueles que mais empregam, como o calçadista. O sindicalista critica  ainda o fato de o governo conceder um benefício às companhias sem  qualquer garantia de geração de empregos. "O argumento de que a queda  dos custos se converte automaticamente em novas vagas já se mostrou  falacioso."
 
 O representante da Fazenda garantiu que o governo não vai encaminhar  qualquer projeto de desoneração da folha que não contemple uma fonte  alternativa de recursos para a Previdência Social. E concordou com os  sindicalistas ao afirmar que "desoneração não gera emprego". "O que gera  emprego é demanda", ponderou, "só que grande parte da demanda está  migrando para produtos de países onde os salários dos trabalhadores são  mais baixos." Barbosa observou que o Brasil está se especializando na  produção e exportação de matérias-primas, o que tende a sobrevalorizar o  real e expor, cada vez mais, a indústria de transformação à  concorrência internacional. "Precisamos aumentar a competitividade da  indústria, pois não podemos prescindir desses empregos. Com a  desoneração, acreditamos ser possível ganhar mais espaço para a  indústria nacional no mercado interno."
 
 Embora tenham poucas chances de emplacar alguma proposta - e algumas  delas sejam questionáveis -, os sindicatos têm um papel importante nas  discussões sobre a reforma tributária. Um debate que, nos últimos anos,  limitou-se a iniciativas rasas como a do "impostômetro", o medidor  eletrônico de arrecadação mantido em São Paulo pela Associação Comercial  de São Paulo (ACSP) e o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário  (IBPT). O argumento de que a carga tributária brasileira é elevada pode  até ser válido, mas nem de longe encerra o debate.
 
 A carga tributária brasileira é de aproximadamente 36% do Produto  Interno Bruto (PIB), a soma de todas as mercadorias e serviços  produzidos pela economia. É um patamar próximo ao de países  desenvolvidos, como Canadá (33%), Reino Unido (35,6%) e Alemanha  (39,2%), superior ao dos Estados Unidos (28,4%) e do Japão (28,1%). No  entanto, uma parte significativa dos recursos destinados aos cofres  públicos volta para a sociedade na forma de transferências de renda, uma  conta que inclui desde o pagamento de pensões e aposentadorias aos  subsídios ao setor privado. Em 2008, tais transferências representaram  15% do PIB, segundo o IBGE.
 
 De acordo com o Ipea, nem mesmo a Carga Tributária Líquida, que exclui  as transferências de renda, representa uma boa medida dos recursos que  os governos no Brasil efetivamente extraem da sociedade para a  manutenção dos serviços públicos e da infraestrutura. É preciso ainda  excluir o que se gasta com o pagamento dos juros da dívida pública. Em  2008, último ano antes da crise, as administrações públicas destinaram  5,6% do PIB para esse fim. Excluindo-se os juros e as transferências de  renda, a carga tributária brasileira é de 13,1%, patamar bastante  inferior ao de países desenvolvidos como Canadá (22,5%), Coreia (24,7%) e  Reino Unido (20,9%) e mesmo de países como Hungria (23,5%) e Polônia  (17,7%).
 
 De todo modo, é indesejável que a discussão sobre o sistema tributário  aconteça exclusivamente na base do "quanto menor, melhor". "Os  trabalhadores têm debatido muito pouco o financiamento das políticas  públicas. Não há direitos sociais sem financiamento adequado. O tributo é  o preço da cidadania", afirmou Evilásio Salvador, professor da  Universidade de Brasília, durante o encontro com a CUT. Segundo o  acadêmico, a sociedade precisa discutir que modelo de Estado deseja. "É  um Estado que assegura direitos, que tem políticas universais de saúde e  educação?"
 
 Artur Henrique reconhece que os sindicatos omitiram-se numa discussão em  que as associações patronais transitam com muito mais desenvoltura. A  dificuldade, afirma, é articular um discurso capaz de fazer frente ao  apelo inerente às propostas que pedem menos impostos. O sindicalista  lembra o episódio que culminou no fim da CPMF, que se destinava ao  financiamento da saúde. "Essa foi uma batalha que perdemos. Não soubemos  nos comunicar com a sociedade". Um cenário que ele espera reverter.
Fonte: Contraf/CUT

