Fragmentação do emprego no setor financeiro deteriora qualidade das condições de trabalho
02/04/2022 - Por Bancários CGR
Emprego com carteira assinada e sindicalização caiu muito nos últimos anos
No final da manhã do segundo dia do 6º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), ocorreu o segundo painel, em que foi feito o Retrato dos Bancos e dos Bancários, pelo economista Gustavo Cavarsan, da subseção da Contraf-CUT do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A apresentação fez o mapeamento dos trabalhadores e trabalhadoras do ramo financeiro, com subsídios para a estratégia de atuação da entidade nos próximos anos.
Cenário geral
Conforme o diagnóstico apresentado, desde a reforma trabalhista feita logo após o golpe de 2016, não houve qualquer melhora nos índices no mercado de trabalho, como prometido pelo grupo que se apropriou do poder. O dado mais significativo nessa questão é revelado pelos desocupados maiores de 14 anos, que desde então só aumentaram: no quarto trimestre de 2021 incluía 12,01% de trabalhadores, depois de ter batido o pico no início desse ano, com 15,25 %. O menor patamar tinha sido registrado no quarto trimestre de 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, apenas 6,15%, próximo do considerado emprego pleno. “O argumento pela reforma era de que geraria pelo menos 6 milhões de empregos formais, mas isso não se confirmou”, disse Cavarsan.
Nesse cenário, o emprego com contrato pela Consolidação das Leis Trabalho (CLT) se manteve quase estático, mas reduziu, enquanto a demanda por trabalho aumentou. Seu ponto mais crítico foi atingido no terceiro trimestre de 2020, com 30,8 milhões de trabalhadoras e trabalhadores contratados. Melhorou até o final de 2021, alcançando 34,4 milhões, mas ainda continua inferior ao melhor momento, entre 2013 e 2014, também no governo Dilma, quando estava próximo dos 38 milhões.
Conforme destacou Cavarsan, nesse período, a expansão da ocupação ocorreu exatamente nos setores mais precários, em que os trabalhadores se encontram em situação mais desprotegida, ou seja, sem carteira assinada. Se no terceiro trimestre de 2012 o contingente que trabalhava por conta própria era de 19,8 milhões, no mesmo período do ano passado bateu na casa do 25,9 milhões, conforme dados apresentados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Aí estão incluídos casos clássicos como motoristas e entregadores por aplicativo, sem nenhum tipo de garantia; essa é a lógica do mercado de trabalho que também se reproduziu no setor financeiro”, esclareceu o economista do Dieese.
Bancários
Os bancários foram atingidos fortemente após o golpe. Em 2019, pela primeira vez na história a categoria, passou a representar menos da metade do emprego formal no ramo financeiro. Em 1994, eram 80%; em 2012, 59%; e em 2019, 47%. Nesse ano mais recente, havia 454,6 mil profissionais, com renda média de R$ 8,35 mil, sendo 76% com ensino superior. A categoria também se mostra marcada pelo traço do racismo, pois 72,7% do total eram pessoas brancas, 20,4% pardas e apenas 3,3% pardas. “Isso é importante porque a categoria bancária representa o núcleo central do ramo financeiro, com sindicalismo forte e capaz de exigir acordo coletivo consistente, inclusive com cláusulas sociais”, observou Cavarsan.
Categoria bancária
O estudo apresentado também mostrou as perspectivas para a categoria. Desde 2013, houve o fechamento de 83 mil vagas, sendo 63 mil delas a partir de 2016. Esses dados refletem a tendência desse mercado profissional, identificada pelo Dieese: a redução drástica do contingente da força trabalho, generalizada no país todo; o estreitamento da base da pirâmide ocupacional, que afeta mais os trabalhadores, que historicamente têm um vínculo mais forte com a sindicalização; a “gerencialização” da categoria, o surgimento de bancos digitais e o crescimento do teletrabalho. Esses dados negativos decorrem do fechamento de mais de cinco mil agências físicas no país, que passou de 22,9 mil em 2019 para 17,8 no ano passado. “Esse é movimento também ocorre em todo o país, em que cada unidade da federação teve redução de no mínimo 10% de agências”, pontuou o economista.
Outra tendência é mudança no perfil da categoria. Além de diminuir como um todo, houve “o alargamento nos níveis gerenciais, com redução dos níveis mais baixos de ocupação”, pontuou o técnico do Dieese. De 2003 para 2019, os escriturários caíram de 43% para 29% e os gerentes saltaram de 19% para 23%, por exemplo. A partir de pesquisas específicas sobre o teletrabalho, o Dieese identificou vários problemas. Ao serem lançados nessa modalidade, sem planejamento, os bancários passaram a enfrentar, entre outros problemas, falta de estrutura adequada e equipamentos, aumento descontrolado da jornada, isolamento, questões de saúde, aumento de custos e ausência de auxílio financeiro. No entanto, ainda assim, 80% da categoria se manifestou dizendo que prefere atuar em home office, total ou parcial. “Isso significa que o teletrabalho vai seguir na categoria, não em 50% como foi na pandemia, mas é uma tendência”, como observou Cavarsan.
Ramo financeiro
O ramo financeiro, sem considerar a categoria bancária, teve um saldo positivo de 118 mil empregos, de 2013 a 2020. Assim, no setor como um todo, considerado o fechamento de 82,7 mil postos pelos bancos, houve um acréscimo de 35,2 mil vagas. Entre esses profissionais contratados, estão securitários, corretores e operadores de atividades auxiliares, que são os que não têm exatamente função definida, e em grande parte atuam nas chamadas fintechs. Como frisou o economista, é importante pontuar que “embora esses trabalhadores atuem de forma similar aos bancários, eles enfrentam condições mais precárias, com rendimentos menores e menos garantias”.
Essa degradação das condições está diretamente associada a mudanças no setor, que afetam as relações com os trabalhadores. Se o número de agências foi reduzido, os correspondentes bancários só cresceram desde então. Em dezembro de 2014, eram 208,3 mil (enquanto as agências físicas eram 23,1 mil) e agora são 233,6 mil (agências, 17,5 mil). Assim, como informou Cavarsan, “quando os bancos dizem que estão migrando sua estrutura física para o digital, na verdade estão transferindo essa atividade para outras pessoas jurídicas esse atendimento, como mercados e lojas”.
Setor financeiro
Com essa nova formatação que o setor vem ganhando, hoje, 11,6% dos ocupados no setor financeiro já trabalham por conta própria: desde 2013 o contingente saltou de 60 mil para 157 mil, um crescimento de 160%. Esses são os profissionais que não são assalariados. Do total, 60,3% são empregados pelo setor privado com carteira assinada, 6,5% militares ou servidores estatutários e 8,7% do setor público, mas contratados pela CLT.
O número de agentes autônomos de investimento também cresceu 200% desde 2016, e saltou de 6 mil para 18,1 mil no ano passado. Esses profissionais têm característica próprias: trabalham tanto como pessoa física ou jurídica, distribuem produtos de investimentos das corretoras (como XP, BTG e outras), recebem apenas comissão, trabalham em regime de exclusividade, possuem uma associação e atuam numa espécie de ensaio para a plataformização do trabalho no setor financeiro. Ou seja, são profissionais que não têm contrato, não tem jornada, nem salário. “As corretoras, como a XP, que não têm nenhum compromisso com as questões de trabalho, falam abertamente que esse é um sistema mais barato”, como informou o técnico do Dieese.
Fintechs
Além das corretoras, a degradação do trabalho no ramo financeiro ocorre pela atuação das chamadas fintechs, que hoje são cerca de 10 mil no Brasil, sendo apenas 10% delas regulamentadas pelo Banco Central. Há cerca de 60 mil trabalhadores. Elas se reivindicam plataformas, e isso indica que boa parte de seus trabalhadores atua de forma ‘uberizada’. Essas entidades exigem experiência para contratar os terceirizados, ou seja, querem aproveitar os trabalhadores demitidos pelos bancos. São os personal bankers, que trabalham como microempreendedores individuais e têm de pagar uma taxa para as chamadas fintechs, que não são bancos, mas terceirizam trabalho para bancos do mercado. “Ou seja, os personal bankers se cadastram como MEIs, trabalham para essas plataformas, que servem aos bancos, e fazem o mesmo trabalho que faziam como assalariados, porém sem nenhuma garantia trabalhista”.
A mesa teve a participação dos secretários da Contraf-CUT Luiz César de Freitas, o Alemão (Finanças, mediador), Jeferson Meira (Relações do Trabalho), Elaine Cutis (Mulher) e Almir Aguiar (Combate ao Racismo).
Fonte: Contraf-CUT