Financiamento habitacional, fundo de garantia, poupança, megasena, PIS. Os brasileiros costumam ter na ponta da língua alguns dos serviços garantidos pela Caixa Econômica, o banco ainda 100% público e que por essa característica tem em seu papel central a função social e o aporte à infraestrutura do país com taxas de crédito mais baixas que as de mercado dos privados.
Só isso já deveria ser motivo para que a população defendesse incondicionalmente que a Caixa continue 100% pública, mas a realidade das narrativas construídas sobre o banco é de esvaziamento no atendimento presencial, demora nas filas, dificuldades de acesso. Mesmo que isso aconteça em toda instituição financeira e que nos bancos públicos isso seja causado por um plano do governo de precarizar condições de trabalho, enxugar equipes, fechar vagas, extinguir concursos públicos.
Esse cenário é muito próximo do que ocorre no Banco do Brasil, que tem economia mista, com ações vendidas na bolsa de valores (os próprios funcionários, em agosto, receberam uma pequena quantidade de ações), mas o governo federal é seu acionista majoritário, ainda que no limite do controle acionário, com 50,73%.
“Perder o controle acionário do BB ou mesmo reduzir seu papel social é entregar a soberania econômica do país ao mercado financeiro. Sabemos da importância do BB como braço da economia para viabilização de políticas sociais. Acredito que abrir mão deste lucrativo instrumento é entreguismo e submissão ao mercado. Os sindicatos têm o importante papel de orientar os trabalhadores para resistir e não entregar o país ao mercado financeiro”, alerta a bancária do Banco do Brasil Ana Busato, representante dos trabalhadores do BB no Paraná nas negociações com o banco. Ana tem formação em gestão pública pela Fundação Perseu Abramo.
A mais conhecida das políticas públicas efetivada pelo BB e subsidiada pelo governo federal é o financiamento rural, seja do agronegócio, do pequeno e médio produtor ou da agricultura familiar. Mas, o BB não disponibiliza crédito somente para o campo.
Pronaf, Fies, FAT, Proger, Moderagro, Pronamp, PCA, Inovagro, Finame. Essas diversas siglas dão a dimensão da quantidade de linhas de crédito que só estão disponíveis porque o banco é público e porque atendem a população com taxas possíveis de serem pagas. O BB financia os moradores do Semiárido, que vivem na seca por longos períodos de tempo; custeia o plantio agroflorestal; a agricultura familiar agroecológica, apoia investimentos em inovação tecnológica atrelada à sustentabilidade ambiental; financia a construção de armazéns; apoia a recuperação dos solos, a produção da apicultura, aquicultura, avicultura, chinchilicultura, cunicultura, floricultura, fruticultura, horticultura, pesca, ovinocaprinocultura, pecuária leiteira, ranicultura, sericultura e suinocultura; possui uma linha de crédito para as seringueiras; financia a energia renovável; subsidia ações da Defesa Civil em situações de calamidade; auxilia os municípios e os estados; tem uma linha de crédito para financiar caminhões novos para produtores rurais; financia empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida.
Em 2017, a participação do BB no financiamento agrícola correspondeu a 60% entre o crédito disponibilizado entre as instituições financeiras que atuam no país e essa carteira de crédito rural crescem em abertura de contas acima de contas abertas para pessoas físicas e jurídicas. Isso também é possibilitado porque o banco está em 99,8% dos municípios do país.
De acordo com relatório de gestão do governo Michel Temer, referente ao período 2016/2018 (até outubro), o BB “fez investimentos sociais da ordem de R$ 554,7 milhões”, que inclui iniciativas culturais, investimento no esporte, na pesquisa das mudanças climáticas, apoio a ações com crianças, adolescentes e idosos.
A privatização do banco bicentenário tem sido ventilada desde antes das eleições de 2018, quando Paulo Guedes, futuro ministro do presidente eleito Bolsonaro, declarou em entrevista à Globo News que realizava estudos para as privatizações, divulgando, inclusive, valor de mercado para o BB.
Nesta semana, o futuro presidente do BB nomeado pelo novo governo, o economista Rubem de Freitas Novaes, declarou à Agência Brasil que “a orientação da próxima gestão será a busca por eficiência, o enxugamento e a privatização de ativos da instituição”.
O que seria essa eficiência e enxugamento? Na linguagem econômica, se traduzem em corte de custos com a redução do número de funcionários e aumento do lucro, que atingiu R$ 9,7 bilhões de janeiro a setembro de 2018.
Conforme explica o economista e coordenador estadual do Dieese Pablo Diaz, mestre em Tecnologia e Trabalho pela UTFPR, que é funcionário do BB, privatizar ativos significa delegar ao “mercado” a gestão. “Por trás do discurso está a desidratação do BB. Lembremos que o futuro presidente do BC tem origem num banco privado. Os bancos estatais não poderão mais ser usados como freio dos ganhos dos bancos privados”. O dirigente sindical explica, ainda, que essa desestruturação é continuidade do governo Temer.
Em contrapartida, os funcionários do banco vêm sofrendo com diversos processos de reestruturação, desde o início de 2017, que têm como procedimento padrão descomissionamentos e extinção de cargos de forma unilateral pelo banco, sem negociação com os sindicatos de representação dos trabalhadores bancários.
Esse detalhe proporciona queda substancial na remuneração desses trabalhadores, de um dia para o outro, ainda que eles, até o momento, tenham estabilidade no emprego. De acordo com relatório do banco, somente as verbas pessoais, calculadas individualmente, são irredutíveis. E que a variação de remuneração entre funcionários é de acordo com função da carreira, do histórico de funções/comissões e da data de posse. E é nessas verbas que o banco corta: “As verbas vinculadas ao exercício de funções apresentam valores definidos conforme as atribuições, nível hierárquico, complexidade, praça, grupamento e outros fatores vinculados a cada função/comissão e podem, portanto, ser extintas ou alteradas em qualquer tempo”. A justificativa para isso está ligada à concorrência de mercado, novo viés estabelecido desde 2016 pelo banco que ainda tem como maior acionista o governo federal, mas que, ainda assim, desligou 9.409 funcionários no último ano pelo Plano Extraordinário de Aposentadoria Incentivada (PEAI).
De acordo com informações divulgadas durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Paraná, em outubro de 2017, em defesa dos bancos públicos, juntos, BB e Caixa, naquele ano, eram responsáveis por 80% de todo o crédito de longo prazo, 70% do financiamento imobiliário, 70% do investimento em agricultura familiar, 80% do investimento em saneamento e 56% de todo o crédito ofertado para pessoas físicas e jurídicas no Brasil. Se eles perderem seu caráter público, sua função social, para serem mais um banco privado jogado à concorrência do mercado, quem perde é a população.