Queimadas, terrenos de tom avermelhado e sem vegetação que vão de horizonte a horizonte, plantações transgênicas a perder de vista, aviões que pulverizam agrotóxicos em voos baixos, leitos de rios secos, motosserras em ação, cargas ilegais de madeira contrabandeadas ao exterior, famílias e mais famílias de populações tradicionais em situação precária.
Nos últimos anos, e com mais força desde o início do governo Bolsonaro, o Brasil se tornou vítima de um movimento reacionário para que essas cenas sejam vistas como caminho para a geração de riquezas e o crescimento econômico. Trata-se, no entanto, de uma ação para reduzir a resistência a vários projetos devastadores contra o meio ambiente, em tramitação no Congresso Nacional. Se aprovados, a destruição das riquezas naturais e o genocídio de populações tradicionais ganham amparo legal.
É o “pacote da destruição”, como resumem movimentos ambientais e de defesa das comunidades indígenas. O rolo compressor, dirigido no Congresso pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, inclui propostas para o uso desenfreado de agrotóxicos, a legalização da grilagem, o completo afrouxamento das regras para licenciamentos ambientais e a expropriação de reservas indígenas.
“Não podemos permitir a destruição de nossas riquezas ambientais em vista da agenda ultraliberal de manutenção dos interesses econômicos do grande capital e seu lucro obsessivo”, alerta Bárbara Peixoto de Oliveira, da direção executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). “Se virarem leis, a perda de empregos gerada também pela crise ambiental vai aumentar, por isso os trabalhadores têm que se mobilizar e impedir a aprovação desses projetos”, completa Bárbara, que também é militante do movimento feminista Marcha Mundial das Mulheres.
Conheça a seguir os principais projetos que podem devastar o Brasil:
Veneno legalizado
O Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, aprovado pela Câmara do Deputados, em fevereiro de 2022 e encaminhado para o Senado Federal (onde tramita como PL 526/1999), passa ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o controle pleno do uso de agrotóxicos. O Ministério da Saúde e a Anvisa continuariam a emitir pareceres técnicos, mas apenas o MAPA poderia fiscalizar e aplicar penalidades aos infratores por uso irregular de produtos tóxicos.
O texto também reduz o prazo para a apreciação do pedido de registro de novos agrotóxicos, dos atuais sete anos para apenas dois; prevê a liberação provisória automática caso não se cumpra esse curto prazo; altera a designação constitucional de agrotóxico para pesticidas, quando usado na agricultura, e para “produto de controle ambiental”, em florestas e ambientes hídricos.
O PL do veneno segue fazendo estragos e revoga a possibilidade de impugnação de agrotóxicos já aprovados, o que acontece pela legislação atual quando se constata que o produto é prejudicial à saúde humana ou da fauna ou danoso ao meio ambiente. Entidades como o Greenpeace protestam contra a proposta, pois ela retira dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, da Anvisa e do Ibama a atuação que esses órgãos têm sobre o assunto. Ou seja, o agronegócio passa a se autorregulamentar, sem preocupações sanitárias nem ecológicas.
Grilagem institucionalizada
O PL 2.633/2020, conhecido pelo nome mais realista de “PL da Grilagem”, já foi aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado em agosto de 2021, onde aguarda votação na Comissão do Meio Ambiente. Em seus artigos, anistia grileiros atuais e incentiva novos ataques às terras públicas, que podem ser concedidas sem avaliação ou necessidade de licenciamento.
Na prática, promove mais desmatamento e mais conflitos no campo, acelera a crise climática e premia os criminosos ambientais com títulos que legalizam a grilagem. Permite, ainda, que terras públicas sejam usadas, pelo posseiro que pleiteia sua regularização fundiária, como garantia para empréstimos relacionados a negócios a que se destina o próprio imóvel, o que significa que, em caso de inadimplência do invasor, o banco tomará terras da União.
O projeto também permite que áreas de povos indígenas e de quilombolas ou aquelas definidas como Unidades de Conservação possam ser destinadas a invasores com títulos de posse.
O “liberou geral”
Aprovado na Câmara, o PL 3.729/2004 é a boiada da destruição ambiental que marcha na dianteira e abre caminho para as outras, como dizem ambientalistas. Esse projeto busca abolir quase por completo a necessidade da licença ambiental no Brasil. O texto, agora no Senado como PL 2.159/2021, na prática elimina qualquer rigor na avaliação de empreendimentos como hidrelétricas, barragens e rodovias, no que diz respeito a questões de segurança e saúde de populações afetadas, bem como de proteção ambiental, pois elimina a análise de órgãos que cuidam dessas áreas.
O PL permite ainda o autolicenciamento (o empreendedor decide tudo sem fiscalização de órgãos governamentais); dispensa completamente o licenciamento de obras para sistemas de tratamento de esgoto, estações de resíduos sólidos, estradas e hidrelétricas, entre outras; e elimina a responsabilidade social e ambiental de financiadores desses empreendimentos, como bancos. Com essas medidas, aumenta a influência de empresas mineradoras nos processos de licenciamento ambiental e fecha os olhos para a multiplicação de tragédias como as de Mariana e Brumadinho.
Indígenas sem direitos
No dia 9 de março, a Câmara aprovou o regime de urgência para o PL 191/2020, com o pretexto da necessidade de extração de minerais, em especial o potássio, para a produção de fertilizantes por causa da guerra na Ucrânia, pois a Rússia é o maior exportador do produto ao Brasil. O projeto flexibiliza a extração mineral – incluindo minério de ferro, ouro e de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) – e o uso de rios para hidrelétrica em reservas indígenas. “Usar a guerra para justificar a urgência na tramitação do projeto é completo absurdo”, critica Bárbara Peixoto de Oliveira. “Temos que nos juntar e posicionar duramente contra ele”, completa.
Antes, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara já havia aprovado, em meio a manobras, o PL 490/2007, que agora vai para o plenário. Esse projeto busca inviabilizar a criação de qualquer de área indígena, pois define a promulgação da Constituição de 1988 como marco temporal para novas demarcações. Ou seja, somente serão consideradas indígenas aquelas terras assim definidas até 5 de outubro daquele ano. O texto, além de permitir a anulação de áreas existentes, também facilita o contato com povos isolados e permite a exploração de suas terras por garimpeiros. Essa, que é uma bandeira de Bolsonaro no Congresso, tem o objetivo de destinar terras protegidas ou de comunidades tradicionais indígenas ou quilombolas a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e hidrelétricas, porém sem regulações civilizadas.
Na avaliação do movimento indígena e de juristas, a proposta é flagrantemente inconstitucional. Esse PL tinha sido rejeitado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara em 2009, pois, conforme o relatório de então, os termos da proposta “não representam nenhum avanço na salvaguarda dos direitos indígenas”.
A ativista indígena Txai Suruí, que, em novembro de 2021, chamou a atenção do mundo para os problemas ambientais no Brasil na COP 26, em Glasgow, Escócia, tem alertado a todos para o risco que esse pacote da destruição significa não só a destruição das florestas, mas também o genocídio dos povos indígenas do território brasileiro.
“O ‘pacote da destruição’ é uma ameaça à vida. Além de arrasar biomas, promove o adoecimento e morte dos povos indígenas e impacta a vida das mulheres, por serem as maiores responsáveis pelo cuidado e pelo trabalho doméstico. As mulheres absorvem mais os impactos da precarização da vida”, conclui Bárbara Peixoto de Oliveira.
Senadores debatem em live
Nesta quinta-feira (17), às 19h, a Frente Ambientalista do Senado, coordenada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA), promove um seminário virtual para debater o pacote da destruição, com transmissão ao vivo pelo YouTube e pelo Facebook. Vale a pena acompanhar e abraçar a causa do meio ambiente brasileiro.
Fonte: Contraf-CUT