Presidente do Banco Central pode perder status de ministro
22/11/2010 - Por Bancários CGR
Entrou no debate da transição a ideia de retirar o status de ministro de Estado do presidente do Banco Central, conferido a Henrique Meirelles por medida provisória, em 2004. Como ministro, Meirelles passou a ter foro privilegiado em caso de processo na Justiça, num momento em que havia uma discussão sobre suspeita de sonegação fiscal contra ele.
Foi uma medida circunstancial e a tendência é que ela seja revertida, segundo comentam fontes qualificadas. Isso estaria na raiz das incertezas sobre o futuro de Meirelles no governo de Dilma Rousseff.
Ao longo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Meirelles sempre destacou a autonomia com que o Comitê de Política Monetária (Copom) tomou suas decisões. Para ele, a credibilidade da instituição está diretamente relacionada à possibilidade de o BC decidir sobre a taxa de juros unicamente conforme as análises que faz sobre a trajetória futura da inflação, sem interferências políticas de qualquer natureza.
Meirelles só aceitou o cargo - e ele não foi o único a ser convidado na época do primeiro mandato de Lula - quando recebeu do então presidente eleito a garantia de que teria autonomia em suas decisões no Banco Central. Essa garantia lhe foi dada em reunião com Lula nos Estados Unidos.
O governo Lula foi ainda mais longe. Por meio de emenda constitucional, alterou o artigo 192 da Constituição para permitir que o Sistema Financeiro Nacional fosse regulado por mais de uma lei complementar.
Em seguida a esta mudança, o governo sinalizou que estaria disposto a encaminhar um projeto de lei ao Congresso propondo a autonomia do BC. Isso terminou não acontecendo, mas na ocasião o compromisso do governo Lula com a autonomia operacional do BC foi manifestado em carta ao Fundo Monetário Internacional (FMI), datada de 21 de novembro de 2003.
Sem autonomia, mesmo se for convidado - Meirelles vai conversar esta semana com a presidente eleita -, ele não deve permanecer como presidente do BC. Aliás, sem autonomia operacional para poder perseguir a meta de inflação determinada pelo próprio presidente da República, dificilmente alguém aceitará assumir o comando da autoridade monetária, segundo comenta-se no mercado.
O diretor de normas do BC, Alexandre Tombini, continua sendo o mais cotado para substituir Meirelles. Mas outros dois nomes são mencionados pela equipe de transição: Fábio Barbosa, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco.
Se essa tese, porventura, vingar e o BC passar a ser tutelado pelo Ministério da Fazenda, o novo governo estaria automaticamente acabando com o regime de metas para a inflação e, portanto, com o tripé da política econômica que vigora desde 1999 - metas para inflação como referência da política monetária, taxas flutuantes para o câmbio e superávit primário para as contas públicas, comentam os especialistas.
Para eles, simultaneamente ao anúncio do fim da autonomia concedida ao BC pelo presidente da República há mais de uma década, a presidente eleita teria que comunicar qual o novo arcabouço da política econômica que seguirá.
Isso porque sob o regime de metas, o BC não tem o direito mas a obrigação de entregar ao país uma taxa de inflação pré-definida pelo Palácio do Planalto e sancionada pelo Conselho Monetário Nacional. Para cumprir essa meta, que é de 4,5% até 2012, dosa a taxa básica de juros (Selic). Sem condições para operar a taxa de juros, o BC, nesse caso, perderia função.
Autonomia, porém, não significa que BC e Fazenda não possam conversar, avaliam economistas e ex-dirigentes do BC. Ao contrário, devem, pois há um enorme conjunto de informações preciosas que precisam ser trocadas entre eles.
O BC, como costuma dizer o ex-presidente Armínio Fraga, está permanentemente "medindo a pulsação do paciente". A Fazenda tem controle do que está sendo arrecadado e gasto. O que não faria sentido é o Copom, no momento de decidir sobre o nível da taxa de juros, ter que buscar autorização previa do ministro da Fazenda ou mesmo do presidente da República.
Por princípio, ao escolher a diretoria do BC e definir a meta de inflação, o presidente eleito nas urnas está demarcando o trabalho da instituição.
Tão logo escolha a equipe que comandará a política econômica, a presidente eleita, Dilma Rousseff, terá a oportunidade de estabelecer as bases do seu governo para a área. Os sinais que surgem de fontes do governo e da equipe de transição, por enquanto, são ambíguos.
Embora seja singular ter um presidente do BC com cargo de ministro de Estado - o que, de certa forma, enterra qualquer pretensão de autonomia legal - mudar isso agora seria inoportuno, segundo assessores do próprio governo que são contra a ideia, pois transmitiria aos agentes econômicos uma mensagem diferente do que foi dito durante a campanha eleitoral.
Não estão claras, também, as informações sobre o real comprometimento do novo governo com uma política fiscal mais austera do que a dos dois últimos anos, pré-condição para que o BC possa reduzir os juros ao longo dos próximos quatro anos. A intenção de reduzir a dívida interna para 30% do PIB ao final de quatro anos não guarda coerência com as primeiras medidas fiscais para 2011 anunciadas na semana passada.
Fonte: Contraf/CUT com Valor Econômico