Quem atua com visão humanitária e internacionalista não é estrangeiro!
11/09/2013 - Por Bancários CGR
É valente, digna e soberana a sociedade que sabe reconhecer seus herois. E é escrava a sociedade que se dobra ao silêncio ou subestima o verdadeiro heroísmo contribuindo, assim, para empurrar o mundo no sentido inverso à sua humanização.
Em uma sociedade onde o egoísmo, a prepotência e a ambição têm defesa, só resta às pessoas seguir na sua tarefa maçante de caminhar pela vida banalizando a morte. Neste sentido a estupidez de muitos médicos no Brasil amedronta, pois é explícita a sua incapacidade de entender o momento histórico ou quando atuam dependentes em consultar a internet para definir medicações e recorrer às tecnologias para decidir um diagnóstico.
Para estes médicos dedicar tempo a um paciente, tocá-lo e ouvi-lo são coisas do passado. Enfrentar a lama, o frio, defender a miséria e arriscar a própria vida para salvar outras são tarefas de médicos utópicos. E a grande mídia também não está interessada em mostrar o que é justo, pois atende aos padrões e privilegia quem polariza para excluir e transformar a medicina em artigo de luxo, em mercadoria e possibilidade de status e ascensão financeira. Tudo isso é uma enorme vergonha e causa descrença para quem vive nesta aldeia dita civilizada.
Acredito que a rejeição e o preconceito aos médicos cubanos estão diretamente vinculados à parcela da nossa gente para a qual eles voltarão suas atenções e suas ternuras. A mesma gente que no Brasil historicamente foi alijada de seus direitos e causa repulsa à burguesia e aos seus fieis seguidores. Aos hostilizar uma médica negra cubana foram hostilizados os negros, os índios e os pobres, os ainda discriminados pela mentalidade dissimulada e preconceituosa de muitos brasileiros. Os pobres, sujos e malvados não servem também para a elite de branco que precisa se manter imune às bactérias da solidariedade e do direito de existir.
As manifestações raivosas contra a vinda de médicos internacionalistas para o Brasil, especialmente os cubanos, demonstram que lamentavelmente ainda há setores tão fechados e mesquinhos na sociedade brasileira que poderíamos afirmar que há uma segregação, não oficial, mas que funciona para destruir qualquer sonho de igualdade. Ainda, a essência do debate e o boicote premeditado ao Programa Mais Médicos, deveria ser penalizado por atentar contra uma política centrada na justiça e na reparação social.
Na contramão desta segregação, quem se manifesta para apoiar a vinda dos médicos cubanos que chegam ao Brasil se pergunta como é possível não reconhecer e receber com respeito profissionais que entendem e curam, enobrecem a profissão e protegem e salvam milhares de pessoas em Cuba e em outros países do mundo, sem distinção de raça, classe social, idade, ideias...
Em Cuba a graduação em medicina não tem preço, mas a exigência de formação humanista e internacionalista. Os médicos cubanos e estudantes de outros países formados na Ilha caribenha trazem na bagagem não só o conhecimento técnico, mas ainda o conhecimento sobre a origem de um projeto que os ensina a ajudar os desassistidos em qualquer parte do mundo: após o furacão Mitch devastar a América Central e parte do Caribe, em 1998, o presidente Fidel Castro decide criar a Escola Latinoamericana de Medicina ELAM para formar bons médicos e fortalecer a solidariedade entre os povos. Atualmente a ELAM acolhe e gradua estudantes de 122 países latino-americanos, caribenhos, dos Estados Unidos, África, Ásia e Oceania. Entre os graduados estão 500 jovens negros e pobres dos EUA, moradores dos bairros do Harlem e do Brooklin e cerca de uma centena de jovens do MST, além de 600 estudantes do Timor Leste e dois filhos privilegiados do mal-agradecido Paulo Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e critico ferrenho do Programa Mais Médicos.
Outros dados, muitos já reconhecidos, outros ignorados ou manipulados, que ajudam a definir quem são os verdadeiros doutores. A saber:
- Graças à sua medicina preventiva, em cuba a mortalidade infantil é das mais baixas do mundo (4,8 por mil), taxa comparável com as das nações mais desenvolvidas, e inferior à dos Estados Unidos, a maior potência mundial, e do Canadá. E a expectativa de vida dos cubanos também foi elevada para 78,8 anos;
- Cuba participou com brigadas militares e médicos em diversos processos de libertação nacional do Continente Africano, e a primeira campanha de vacinação contra a poliomielite, realizada no Congo, em 1996, foi organizada por médicos cubanos;
- Cuba e Venezuela criaram, em julho de 2004, o projeto humanitário continental denominado Operación Milagro, e 3 milhões e meio de cidadãos latino-americanos já foram salvos da cegueira e outras doenças oftalmológicas por médicos cubanos e venezuelanos, que realizam cirurgias gratuitamente em vários países da região. Esta missão se disseminou por outras regiões (África e Ásia) e já dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15 países da América Central e do Caribe;
- Em 1986 o Estado cubano concedeu tratamento médico na Ilha para cerca de 3 mil crianças russas contaminadas pela radioatividade vazada no desastre da Usina Nuclear de Chernobyl, bem como outras centenas de vítimas do desastre;
- Também em 1986, durante o governo Sarney, foram as vacinas cubanas contra a meningite que permitiram ao país enfrentar o surto da doença;
- Quando a indústria farmacêutica internacional - em razão de considerar os preços muito baixos - negou à OMS a possibilidade de produzir vacinas para combater um assustador surto de febre amarela na África, a cooperação entre o Instituto Bio Manguinhos, brasileiro, e o Instituto Finley, cubano, ajudaram a salvar vidas africanas por meio da produção de milhares de doses de vacinas;
- A partir da devastação provocada pelo furacão Katrina, em Nova Orleans, nos Estados Unidos, que desprotegeu a população negra e pobre abandonada pelo governo daquele País, o Estado cubano disponibilizou ao então presidente estadunidense George Bush 1300 médicos para prestar ajuda à população. Bush não autorizou a ajuda de Cuba em razão da hostilidade que os sucessivos governos dos EE.UU. têm com a Ilha, prejudicando, assim, a saúde e a sobrevivência das vítimas do furacão;
- Dados de dezembro de 2010 mostram que a equipe médica cubana que trabalha em 40 centros de saúde no Haiti atendeu mais de 30.000 doentes de cólera até aquela data, representando a maior missão estrangeira ao tratar mais de 40% da população afetada. Segundo recentes manifestações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) "uma das coisas mais esperançosas que viram no Haiti foi a ajuda cubana e o apreço do povo do País pelos médicos cubanos";
- Com a participação de professores cubanos o Governo da Ilha montou três Faculdades de Medicina na África (Eritreia, Gambia e Guiné Equatorial), que se encontram em pleno funcionamento;
- Cuba tem hoje 78 mil médicos, um para cada 150 habitantes, considerada uma das maiores médias do mundo. Esta média permitiu ao governo da Ilha enviar mais de 30 mil médicos para trabalhar em 102 países;
- A exemplo de países africanos como Nigéria, Guiné Equatorial e Gabão, Cuba colabora com Angola, entre outras enfermidades, com o programa de combate aos vetores que provocam a malária e a dengue;
- Apesar das restrições impostas pelo bloqueio norte-americano na aquisição de recursos e tecnologias, Cuba aprofundou a pesquisa de vacinas, entre outras, para o vírus da cólera, dengue, o HIV e contra o câncer de próstata e pulmão.
É preciso mais do que estetoscópios para ouvir um coração
O exemplo de dois jovens gaúchos formados na ELAM demonstra que apesar da alegada falta de recursos tecnológicos e demais estruturas para o exercício da medicina no Brasil é possível salvar vidas e encarar a figura do médico como eixo central desta luta.
O médico Marcus Dutra partiu para a Venezuela para prestar serviços em uma comunidade indígena chamada Nabasanuka, no Estado de Delta Amacuro. Em um ambulatório feito de tábuas semi - apodrecidas da comunidade do estado mais pobre da Venezuela, em frente ao Rio Orinoco, às 4 da madrugada Dutra começou a fazer o parto de uma mulher com eclampsia e que possivelmente não fosse sobreviver.
Aplicou-lhe todo o tratamento possível, pois não contava com muitos dos recursos de um hospital e nem tinha tempo para levá-la para outro centro porque a criança estava nascendo e a lancha do ambulatório estava sem combustível.
Nasceu um menino gordinho e o médico passou a noite toda atento a qualquer ocorrência. A mãe começou a reagir, não convulsionou mais, a pressão se normalizou e estava tranquila. Quando a mãe adormeceu Marcos saiu para respirar o ar fresco no pequeno cais que há defronte ao ambulatório.
Jovem e recentemente formado Dutra sentiu um enorme orgulho do que fez e não pode evitar a pergunta: caramba, saberia Fidel a exata dimensão do bem que fez à humanidade? Acaso imaginaria que em uma pequeníssima comunidade existe um médico filho da ELAM salvando gente há muito esquecida por todos?
Também formado na ELAM, em 2012, o médico Marcos Tiaraju Correa da Silva, de 27 anos, mesmo aprovado no Revalida e defensor do Mais médicos optou em não se inscrever no Programa para permanecer atuando na atenção primária de saúde, em comunidades carentes do município de Nova Santa Rita, no interior do Rio Grande do Sul.
Nascido no primeiro acaAcampamento Sepé Tiaraju, na fazenda Anonni, em 1986, Marcos perdeu a mãe Roseli Celeste Nunes da Silva, a Rose, liderança social e defensora de uma reforma agrária justa. Aos 33 anos Rose foi morta, em 1987, por um motorista que jogou seu caminhão sobre uma barreira humana, na BR-386, em Sarandi, RS, ferindo 14 agricultores e matando ela e mais dois companheiros durante um protesto com mais de 5.000 pessoas. A história de Rose é contada no filme Terra para Rose (1987), de Tetê Moraes.
A decisão do doutor Tiaraju em exercer a medicina vinculada aos movimentos sociais está ligada as suas origens, a sua história e ao compromisso de cuidar da sua gente, valores aliados aos reforços humanistas que recebeu na ELAM.
Por Vânia Barbosa 06/09/2013