Sem os bancos públicos, crise hoje seria pior, diz ministro da Fazenda
06/07/2012 - Por Bancários CGR
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que a atuação dos bancos públicos - no crédito de longo prazo, no financiamento ao consumidor ou no capital de giro das empresas - tem impedido uma desaceleração mais acentuada da economia brasileira. Ao mesmo tempo, criticou a retração das instituições privadas na oferta de crédito. Se o financiamento da economia hoje dependesse apenas do setor privado, o quadro até poderia ser de recessão, disse o ministro.
"Não quero aumentar o BNDES, mas sem ele não teríamos investimento no Brasil", disse Mantega, em entrevista exclusiva ao Valor, lembrando a importância dos bancos públicos para evitar um tombo ainda maior da atividade econômica em 2009, quando o PIB encolheu 0,3%.
Bem humorado com a vitória do seu Corinthians na Libertadores, Mantega afirmou que a oferta de crédito subsidiado pelo BNDES deve permanecer enquanto as instituições financeiras privadas não assumirem o papel de oferecer financiamento de longo prazo. "O setor privado não gosta disso. Mas eu falo para eles: no dia em que vocês estiveram presentes, emprestando no longo prazo, eu reduzo o BNDES."
Mantega criticou o que classifica de postura pró-cíclica dos bancos privados, de emprestar muito quando a economia cresce com força e de reduzir a oferta de crédito num momento em que a atividade se enfraquece. Segundo ele, parte do aumento da inadimplência bancária, especialmente no setor de veículos, se deve a exageros cometidos por algumas instituições em 2010, o que gerou problemas específicos no segmento. Mantega lembrou que, na ocasião, o crédito se expandiu a uma taxa de 30%. "O governo não quer euforia, quer equilíbrio." Foi nesse contexto que, no fim de 2010, foram adotadas medidas macroprudenciais (restrição ao crédito) para evitar os exageros.
Mantega afirmou que o problema do setor de automóveis, que ele classificou como `bolha", já está sendo diluído. A inadimplência, contudo, também piora, porque os bancos passaram a adotar uma política mais dura para conceder empréstimos e financiamentos, disse. "Quando há uma ameaça de crise, de desaceleração, o banco usa critérios mais rigorosos, corta o crédito e aumenta os juros."
Segundo o ministro, no período de expansão forte do crédito, os bancos aprovavam de sete a oito de cada dez consultas por financiamento. Com a desaceleração da atividade e a piora da crise externa, a média de aprovação caiu para 2,5, afirmou ele, observando que a relação subiu para 4,5 a 5. "Eles estão aprovando mais, mas vejo que alguns grandes bancos não compareceram", afirmou Mantega.
De acordo com o ministro, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal deverão continuar mais agressivos no crédito, cortando taxas e elevando volumes de empréstimos. Questionado sobre a necessidade de capitalização da Caixa, em função das regras de Basileia 3, Mantega disse que será necessária alguma capitalização da instituição, sem antecipar detalhes sobre a operação. "No devido momento, o governo vai capitalizar a Caixa."
Mantega também voltou a destacar o efeito negativo da atual crise externa sobre a economia brasileira, tão intensa, segundo ele, como a de 2008/2009. O epicentro agora é na Europa, onde as autoridades têm demorado muito para agir. Para dar uma medida da gravidade da situação, deu como exemplo a China: "Neste ano, se a economia chinesa crescer 8%, será muito", disse ele, lembrando que em 2009 o país asiático conseguiu crescer 9,2%. "Quando a China é atingida, é porque o negócio é sério."
Para o ministro, a incerteza externa tem ofuscado "mudanças qualitativas importantes na macroeconomia brasileira", propiciadas pelo novo mix de política monetária e fiscal. Dois preços relativos fundamentais - os juros e o câmbio - estão em níveis muito mais favoráveis à produção e ao investimento, disse Mantega. Quando a situação externa melhorar, o país estará em condições muito melhores para competir.
Para dar mais competitividade à indústria, Mantega afirmou que o governo deverá estender, no terceiro trimestre, a medida de desoneração da folha de pagamento para mais setores industriais, além dos 15 que deverão entrar no novo regime em agosto. Essa medida, que já beneficia quatro segmentos, está alinhada à percepção de que, na crise, é preciso reduzir custos, como os de mão de obra.
Segundo o ministro, a desoneração não será generalizada, por causa do custo que ela representa para o governo. A desoneração do INSS empresarial total custaria R$ 97 bilhões e, somente da indústria, R$ 25 bilhões. O que já foi feito até aqui representa uma renúncia fiscal de R$ 7 bilhões, sem considerar a cobrança de uma alíquota sobre o faturamento, que compensa parte da desoneração da folha. "Vamos avançar, mas temos de olhar o resultado fiscal." A necessidade de reduzir outros custos também está na mira do governo, disse Mantega, citando as tarifas de energia elétrica.
Segundo o ministro, os efeitos dessa "mudança qualitativa na macroeconomia brasileira" ainda não são visíveis, em parte por causa da crise externa, e em parte porque é necessário haver uma mudança de mentalidade, para que as pessoas se acostumem a níveis de juros muito mais baixos. No Brasil, a própria estrutura produtiva está habituada a privilegiar a rentabilidade financeira. "Um claro exemplo disso é que as empresas têm tesouraria, porque a rentabilidade financeira, quando se tem juros altos, é maior do que a produtiva."
Mantega observou que o investidor está se adaptando à realidade de que a renda financeira é mais baixa, porque o risco é baixo. "Se você está num título público, sem risco, vai ganhar um pouquinho. Isso estimula o investidor a partir para imóveis, para o mercado de capitais. Com isso, vamos dar uma injeção no mercado capitais, nas debêntures, no setor produtivo." Segundo ele, com juros menores do que os que vigoraram por tanto tempo no Brasil, haverá, de um lado, estímulo à produção e ao investimento, e de outro, incentivo ao consumo, especialmente se também houver queda dos spreads bancários.
Para Mantega, a queda dos juros brasileiros nos últimos meses é o que estaria por trás da onda de descontentamento de alguns investidores estrangeiros com a economia brasileira. "O Brasil era o último peru de Natal", disse Mantega, citando a imagem seguidamente empregada pelo ex-ministro Antonio Delfim Netto. A alta rentabilidade e o baixo risco da aplicação no país tornavam o espaço de ganho do investidor estrangeiro "uma aberração", afirmou Mantega. "Aqui era ganhar dinheiro sem risco. Aí, de repente, tiramos o peru."
Mantega reiterou que o governo não trabalha com uma taxa de câmbio de equilíbrio, mas que enxerga o atual nível mais competitivo do que foi no passado. "Eu disse que câmbio de R$ 2 é melhor do que a R$ 1,50, não disse mais do que isso", afirmou. "Não sei qual é o câmbio de equilíbrio. E ninguém joga limpo nessa questão."
Mantega lembrou que o Brasil continua a adotar medidas para impedir entradas excessivas de capital, e não mostrou nenhuma simpatia quanto à remoção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide sobre operações de derivativos, reivindicação constante de analistas de mercado. "Vão ter que me convencer muito para tirar esse IOF. É o mercado mais alavancado, e nós desmontamos essa alavancagem."
Mantega ressaltou ainda que não haverá mudança na meta de superávit primário deste ano, de 3,1% do PIB. " Estamos acima da meta, com 3,6%, 3,7% de superávit primário", disse, chamando atenção para o déficit nominal (que inclui gastos com juros), que deverá melhorar em 2012, ficando, segundo ele, na casa de 1,4% do PIB, abaixo dos 2,5% do PIB do ano passado.
Fonte: Contraf-CUT com Valor Econômico