BB negocia compra de bancos nos Estados Unidos e associação no Chile

22/10/2010 - Por Bancários CGR

Depois de fechar parcerias com um de seus maiores rivais no mercado, o Bradesco , o Banco do Brasil (BB) faz nova ofensiva em várias frentes. Negocia, neste momento, a compra de pelo menos dois bancos nos Estados Unidos e uma associação com uma instituição chilena. No segmento imobiliário, conversa com uma grande incorporadora para montar uma joint venture, uma espécie de anco hipotecário.

No mercado de capitais, a ideia é fazer parceria com um grande banco de investimento para atuar de forma mais agressiva no segmento de renda variável. Em seguridade, o BB vê a possibilidade de firmar novo acordo com o Bradesco, com o qual já atua nos mercados de cartões de crédito, compartilhamento de rede de autoatendimento e de seguros odontológicos, além de sociedade na África.

O ativismo do BB, segundo seu presidente, Aldemir Bendine, marca uma nova fase na história da instituição. A palavra banco não se encaixa mais pra gente. Nós somos um grande conglomerado financeiro. Somos lojas de produtos financeiros e de serviços, disse Bendine nesta entrevista ao Valor.

Segundo ele, o BB projeta mais um boom de crédito para os próximos cinco anos, quando o volume deverá saltar de 46% para 70% do PIB.

A compra de um banco nos EUA - o português Millennium BCP - não ocorreu por um lapso de 10 dias. Segundo Bendine, a autorização do Federal Reserve (Fed, banco central americano) para o BB explorar atividade bancária no mercado americano não chegou a tempo e, por essa razão, o banco acabou sendo adquirido pelo Investors Savings Bank.

Na entrevista, Bendine justifica a parceria com o Bradesco: O movimento Itaú Unibanco desequilibrou um pouco a balança.

Valor: Quais os próximos passos do processo de internacionalização do banco?

Aldemir Bendini: A estratégia é preparar esse banco para ser global. Dada a melhoria que tivemos na economia brasileira, a valorização da nossa moeda e o boom de investimento, naturalmente os grandes conglomerados financeiros brasileiros, não estou falando só de BB, passam a ter necessidade de expansão fora porque o mercado daqui a pouco será pequeno.

Valor: Onde as negociações estão mais avançadas?

Bendini: No Chile, Uruguai, Peru e nos EUA. Trabalhamos em cima de três vetores: a transnacionalização das empresas brasileiras, o atendimento de brasileiros lá fora e o aumento do fluxo de comércio exterior brasileiro, não só em volume, mas com a abertura de novos mercados.

É óbvio que há uma tendência natural de começar a consolidar o banco regionalmente. Os maiores crescimentos ocorrerão na América Latina. No Chile, buscamos um modelo de associação a um banco local. Lá, o mercado é mais maduro, parecido com o nosso. É lógico que não tem a sofisticação do Brasil.

Valor: E nos EUA?

Bendini: Se tudo correr bem, a gente imagina para este ano. Já chegamos a uma conclusão: não vamos comprar um banco só. Um banco apenas não oferece a abrangência de rede que precisamos. Vamos comprar pelo menos duas instituições. Estamos prospectando 17. Vamos ver quais as melhores que se encaixam na nossa estratégia.

Valor: A operação na África foi feita para atender aos objetivos da política externa brasileira?

Bendini: É uma oportunidade real. Essa prospecção começou no fim do ano passado, quando fiz uma viagem para Portugal. Há uma tradição da atuação bancária portuguesa no continente africano até pela questão da colonização. Quando fizemos essas primeiras abordagens, vimos que esse continente é um verdadeiro canteiro de obras em termos de desenvolvimento.

É lógico que eles estão num estágio muito inferior ao nosso, mas com oportunidades incríveis nos ramos de construção civil, mineração e petróleo. E eles são mais simpáticos aos brasileiros do que aos europeus, seus colonizadores. A saúde dos conglomerados financeiros brasileiros está em melhor situação do que os europeus pelas crises recentes e recorrentes que eles têm enfrentado.

Valor: Mas é rentável investir na África?

Bendini: A rentabilidade do setor bancário no continente africano é, em média, de 45%. Agora, é verdade: nossa expansão na África coincide com o fato de o governo brasileiro ter um interesse forte na intensificação do relacionamento com o continente africano. Isso é nítido e sabido.

Valor: Por que o BB procurou o Banco Espírito Santo (BES) para essa pareceria?

Bendini: O BES está presente no continente africano há mais de cem anos. Hoje, está em sete países. Já tem nome, uma estrutura instalada e todas as licenças concedidas. O que vamos analisar em conjunto com o Bradesco é em que países e ativos queremos trabalhar.

Valor: Por que chamou o Bradesco?

Bendini: É uma maneira de mitigar o risco.

Valor: Como será o desenho final?

Bendini: Em 90 dias estaremos com isso definido. O BES tem uma holding que controla todas as ações no continente africano, separada da sua operação europeia. Nós e o Bradesco vamos entrar como sócios na holding. Embaixo dessa holding, há as operações por país. Vamos olhar os ativos e, aí, será criada uma holding apenas com as operações que queremos. Vamos definir qual será a participação de cada um e fazer uma gestão em conjunto.

Valor: Em que países vocês vão atuar de fato?

Bendini: A maior presença do BES hoje é em Angola. Lá, nós também já temos um escritório e uma experiência. O segundo maior talvez seja Moçambique, onde também temos interesse por questão da língua e do potencial de desenvolvimento.

O BES está também em Cabo Verde. Há ainda uma pequena operação na África do Sul, além de Marrocos. Argélia é apenas um escritório e provavelmente não tem um grande volume comercial que nos interesse neste momento.

Valor: Por que o BB está fazendo tantas parcerias com o Bradesco?

Bendini: Com a concentração bancária, ficamos com cinco grandes bancos (BB, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander). O movimento Itaú Unibanco desequilibrou um pouco a balança. O que sobrou para o resto ganhar escala? Além disso, nossa história de parceria com o Bradesco vem de 15 anos.

A primeira grande pareceria com o Bradesco foi a Visanet, que começou a reorganizar o setor de cartões no país em 1995. Mas na ponta da distribuição, a gente se mata. Ali, a briga é para valer. Na cultura de rede de agências, na cultura comercial, na cultura de distribuição, somos concorrentes, é pau a pau, sai faísca, nossos gerentes brigam. Aqui, a cor vermelha [do Bradesco] não entra. Lá, provavelmente as cores azul e amarela [do BB] também não devem passar.

Valor: O que há de comum entre os dois bancos para que essa parceria possa dar certo?

Bendini: A cultura organizacional das duas casas é parecida. O modelo criado pelo Bradesco é um pouco inspirado no modelo do Banco do Brasil. É uma cultura que privilegia o profissional criado e formado dentro da casa. Ele não vai contratar profissional em mercado. Ele capacita, educa, cria. O Banco do Brasil sempre fez isso. Um modelo de atuação mais simplificado, com mais simplicidade.

Valor: O que distingue os dois bancos do Itaú Unibanco?

Bendini: O Itaú Unibanco tem uma atuação mais regional, concentrada onde está o PIB. No Nordeste, o Bradesco tem presença, contando os correspondentes bancários, em 1,8 mil municípios (100% de cobertura). O BB está em 70% nos municípios daquela região e o Itaú, em 20%. Agora, o Itaú está se preparando para abrir 150 novas agências no Nordeste e no Centro-Oeste.

Valor: Então a fusão do Itaú com o Unibanco acelerou a aproximação com o Bradesco?

Bendini: O Itaú, ao juntar-se com o Unibanco, criou uma escala de um banco gigantesco. Em alguns segmentos estratégicos, eu não tenho mais como fazer aquisição. O Bradesco também não. O que a gente entendeu do ponto de vista estratégico? Negócios em que há confluência de interesse, onde há uma possibilidade de ampliação de escala e trabalhar estrategicamente, por que não fazer?

Valor: Isso pode caminhar para uma fusão?

Bendini: Os espíritos de porco começam a fazer essa vinculação. Não há nada disso. Esse é um modelo de concentração bancária em que se busca eficiência. Nunca haverá uma associação do BB em distribuição com o Bradesco. A parte bancária, a disputa pelo cliente, vai continuar do jeito que é hoje.

Valor: Onde pode haver novas parcerias?

Bendini: Na área de seguridade. A gente pode pensar em alguma coisa mais adiante. Nós acabamos de fazer um modelo de consolidação nesse segmento no BB. Não vejo modelo [de uma nova parceria] no curto prazo.

Valor: No mercado, diz-se que em algum momento do BB pode se desfazer da Mapfre e fechar uma parceria com o Bradesco em toda a área de seguro.

Bendini: Não. Nem por sonho. Estamos fazendo investimentos nessa área de seguros, que já está com 50% concluído. Seria rasgar dinheiro se fizéssemos uma coisa desse tipo. A Mapfre é uma líder mundial. Essa é uma história muito bem construída. Ela pagou um valor elevadíssimo para entrar nessa sociedade. Temos uma boa escala por muitos anos.

Valor: Como será feita a restruturação da área de mercado de capitais do BB?

Bendini: Ainda não temos muito claro qual o melhor modelo de atuação. Esse é um mercado muito sofisticado, que tem muitas peculiaridades e para o BB é algo novo. Notadamente, no aspecto de remuneração de profissionais. Você faz um investimento, forma um profissional nessa área e vem um banco de investimento com essas remunerações malucas de bônus, no modelo americano, que nós não queremos, não sabemos e não vamos fazer, e seduz facilmente esse profissional.

Valor: O BB pode fazer, também nesse segmento, parceria com outros bancos?

Bendini: Sim. A tendência natural vai ser a busca de um parceiro dentro do princípio que eu estabeleci para todas as parcerias dentro do banco: não pode ser concorrente. Se aparecer um grande banco de investimento, seja brasileiro ou internacional, que tenha interesse em trabalhar sem ser concorrente e atuar com esse conceito que a gente estabelece de captura de valor, não tenho dúvida de que a gente deve caminhar para uma parceria.

Valor: Quais são as carências do banco nessa área?

Bendini: O BB é muito forte em renda fixa, é líder de mercado. Sabemos fazer colocação, renda variável, mas não temos escala porque não há uma distribuição global. Há dois aspectos que precisamos corrigir. O primeiro é a área de `research` (análise de mercado). Precisamos de uma estrutura mais robusta. Outra é a questão da corretora. Ao comprar 50% do Votorantim, eu tenho uma corretora já pronta e com boa qualificação. O que falta é escala.

Valor: Por que não aumenta a escala na corretora do Votorantim?

Bendini: Porque preciso definir qual vai ser meu rumo em relação a mercado de capitais. Isso vai ficar para o próximo semestre, mas precisa ser feito. O investimento é altíssimo. Se for fazer um modelo associativo, tem que ser por meio de uma subsidiária fora do banco [por causa das limitações legais para contratação de pessoal].

Valor: O banco não está ampliando demais o seu leque de negócios?

Bendini: A palavra banco não se encaixa mais pra gente. Somos um grande conglomerado financeiro. Somos lojas de produtos financeiros e de serviços. O conceito de banco é muito amplo no Brasil.

Valor: Com todo esse ativismo, a ambição do BB é ser um banco mais comercial do que público?

Bendini: O BB tem que ser um banco eficiente e rentável e dar retorno ao capital empregado aqui como qualquer um dos seus concorrentes privados. Não tenho dúvida de que essa ideia está internalizada na instituição.

Agora, eu penso também que o BB tem uma função pública e um papel no desenvolvimento do país que sempre teve ao longo da história. Estávamos vivendo um momento em que o banco tinha deixado isso de lado. Agora, houve um resgate muito forte disso. O BB tinha virado um banco só comercial, com capital público.

Eu canso de dizer que, se era para ser só isso, seria melhor o governo privatizar o BB. Não tem necessidade de ter um banco desse. O banco tem uma missão pública a cumprir.

Valor: Como compatibilizar a missão pública e a comercial?

Bendini: Como fizemos até hoje. É estar em alguns lugares onde a rentabilidade não é tão atraente para um concorrente privado, mas que o BB, dentro de um papel de agente de desenvolvimento do país, pode ir lá desde que tenha uma rentabilidade mínima.

Valor: Qual foi o marco desse resgate?

Bendini: Foi a expansão do crédito em plena crise. O banco tem a maior base de correntistas e é um dos maiores agentes de pagamento do país, seja público ou privado. Estamos presentes em todo o país. Conhecemos a economia real. Naquele cenário de 2008, 2009, vimos empresas que não estavam preocupadas com crise, tinham vontade de investir e, aí de repente, elas começaram a se sentir sufocadas porque viraram as costas para elas.

Valor: Mas a economia parou no último trimestre de 2008?

Bendini: Aquela era uma crise de confiança, baseada no que tinha acontecido no passado. Ocorre que os indicadores econômicos mostravam que vivíamos uma situação totalmente diversa da que tivemos no passado. Crescemos na crise.

Valor: Quanto?

Bendini: Em números redondos, ganhamos 2% do mercado de crédito [de 18% para 20% do total] em um ano. Isso é muito dinheiro [cerca de R$ 30 bilhões].

Valor: E daqui em diante, qual é a estratégia?

Bendini: Estamos ancorados numa estratégia, que vale para todos os bancos, que diz respeito ao crescimento da relação entre crédito e PIB no país. Hoje, essa relação é de 46%. É um número muito tímido ainda para uma economia pujante. Temos projeção de que, em 2015, essa relação estará em 70%. Imagine, portanto, o boom de crédito que temos para aproveitar.

Valor: Crédito imobiliário incluído?

Bendini: Sim. É um nicho novo em que estamos entrando. Até dois anos atrás não podíamos entrar nesse segmento. Nossa operação está de pé há pouco mais de um ano e já somos o 5º do mercado. Ultrapassamos o HSBC.

Valor: O BB vai investir na ampliação dos canais de oferta de crédito imobiliário?

Bendini: Vamos anunciar ainda este ano um banco hipotecário. A ideia é fazer uma joint venture com uma grande empresa do segmento de incorporação. Nós, como banco, daremos funding para essa joint venture fazer os lançamentos e incorporações e ela dará direito de preferência ao BB para analisar e conceder o crédito ao tomador final. Com isso, não assumiremos todo o risco do crédito, mas teremos preferência na concessão. É um modelo de confluência de interesses.

Valor: Essas iniciativas não pressionam a exigência de capital prevista no acordo de Basileia?

Bendini: Daqui para frente, esta é uma realidade nítida e clara que não vale apenas para o BB: haverá um processo recorrente e natural, na vida dos bancos, de capitalização ao longo do tempo. Isso já está embutido no nosso dia a dia. A cada dois anos, você vai ter que chamar os sócios e dizer: `Você quer que eu continue crescendo? Quer que eu mantenha esse índice de rentabilidade sobre o capital empregado? Preciso de mais capital`.

Não teremos mais grandes chamadas de capital [a última, feita este ano, foi de R$ 9,6 bilhões], mas coisas menores e rotineiras. O mercado já começou a se adaptar a esse modelo.


Fonte: Valor Econômico

Outras Notícias