Primeira mesa debateu diferenças entre Estado Democrático de Direitos e Estado de Exceção
A 20ª Conferência Nacional dos Bancários iniciou seus trabalhos na manhã deste sábado, 09 de junho, com a contribuição do advogado e professor Pedro Estevam Serrano, que, logo após a aprovação do Regimento Interno, trouxe reflexões sobre a defesa da democracia.
Serrano fez um apanhado histórico do autoritarismo para ajudar a categoria a entender o que está se passando no Brasil nos dias de hoje. “A modernidade nos trouxe, ao menos, dois grandes tipos de Estado regidos por normas. Um é o Estado Democrático de Direitos e o outro é o Estado de Exceção, que poucos falam, mas aparece sempre quando vivemos crises políticas, que acontecem quando há crises econômicas cíclicas”. Ivone Silva, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, uma das coordenadoras do Comando Nacional da categoria, que presidiu a mesa, destacou a importância da exposição de Pedro Serrano. “A fala deixou muito claro que a elite financeira se utiliza do mecanismo do estado de exceção sempre que há avanços na distribuição da riqueza, ou quando surgem crises que podem levar à redução de seu poder econômico e político para impedir a perda de sua hegemonia. É justamente isso que está acontecendo no atual momento histórico do país”, disse. Liberalismo X Democracia O advogado lembrou que teóricos liberais são os ideários da necessidade da suspensão dos direitos para a garantia dos direitos. Thomas Hobbes imagina o homem em estado de natureza em constante guerra. O Estado surgiu para proteger o homem de outro homem e garantir a ordem e a paz. O ser humano viveria em sociedade para atender seus interesses. “O Estado poderia suspender os direitos e, inclusive utilizar a violência, quando achasse necessário para a manter a ordem e a paz. É o argumento de convencimento, a grosso modo, utilizado por Bolsonaro”, afirmou o advogado. Serrano lembrou também de Jonh Locke, o criador do constitucionalismo político, que imagina o estado a partir do contrato social. “Este é o verdadeiro ideal do liberalismo. Com o contrato social estabelece-se a igualdade entre as pessoas, não a liberdade. Para existir a igualdade entre as pessoas não pode existir o príncipe. Todos são tratados como titulares de direitos”, lembrou. Segundo esse teórico, para que uma pessoa ter o direito respeitado, ela precisa respeitar o direito das outras e é isso que traz a paz social e a existência do Estado. “Precisamos deixar de ter preconceito com o liberalismo de Locke. É ele que diz que, quando o Estado deixa de garantir os direitos, a população passa a ter o direito de resistir. Quando o Estado passa a agir como soberano, passa a existir o direito à revolução. Não a revolução na concepção marxista, que visa a transformação da sociedade, mas sim uma revolução para restaurar o Estado de Direito”, observou Serrano. Inimigo interno A suspensão de direitos era justificada em tempos de guerra, para permitir o ataque aos inimigos. Adam Smith traz isso para o ambiente interno. Ele fala que o inimigo não precisa ser um outro povo, pode ser todas as parcelas da população que promovem a desintegração social, a desintegração do Estado. “O ‘segredo’ do autoritarismo está em manter o povo ‘unido’, sem divisões. Aqueles que pensam diferente desunem o povo. É por isso que hoje, vemos as pessoas afirmando que ‘a esquerda quer desunir a sociedade’. Neste modo de pensar, a democracia divide o povo”. Serrano explicou que o marxismo é visto como fragmentador da sociedade pois prega a luta de classes e vê a sociedade divida entre patrões e empregados, entre explorados e exploradores. O totalitarismo quer o povo unido e qualquer teoria, qualquer elemento que pregue o contrário deve ser tratado como inimigo e pode ter todos os seus direitos suprimidos. Essa teoria é fundamental para entender o Estado de Exceção. “O corrupto e o comunista e depois o judeu foram os primeiros inimigos do nazismo. O comunista, neste caso, não são apenas os comunistas, mas todos aqueles que defendem o estado de direito”, observou. Forma de solução Serrano disse que a forma de resolver isso é com a política. “Que acredita na democracia, acredita na forma política e no direito como forma de contestação de poder. Ocorre que, no Estado de Exceção, a parcela da população que busca ‘ordem’ que vê a política como corrupta, como corpo impuro, em contradição à alma purificada. A falácia da pureza moral é grande ambição deste segmento social”, explicou o advogado. Serrano explicou que esse segmento social aceita a suspensão dos direitos e que as questões sociais sejam resolvidas por meio da violência. Isso fez com que, na América Latina, o autoritarismo seja solicitado e representado por um segmento social e não mais personificado, como ocorreu na Alemanha nazista e na Itália fascista. “O autoritarismo se aperfeiçoou. Não precisa mais do lugar do ditador, que é facilmente atacado. Eles utilizam mecanismo judiciais para estabelecer o autoritarismo e suprimir direitos e mantém a ‘democracia’ funcionando, como se nada estivesse acontecendo”, observou. O combate às drogas é utilizado na América Latina para se justificar a supressão de direitos de grande parcela da população. No Brasil, a consequência foi o grande aumento da população carcerária. O país é também campeão em número de homicídios, que vitimam em sua maioria a população negra e pobre, jovens que moram nas periferias dos grandes centros urbanos. “No Brasil não existe guerra, mas as periferias vivem um clima de violência semelhante ao de territórios ocupados. Criaram-se forças militares para se combater o ‘inimigo’. Ao invés de ter ações de guerra, o Estado passa a se ter ação de polícia, utilizado as polícias como força de ocupação territorial”, afirmou o professor. Para o professor, esse tipo de mecanismo de exceção migrou para política, seja através do impeachment ou de processos judiciais, com as lideranças que pensam diferente do estado autoritário perseguidas. “Atribui-se a corrupção aos políticos que pensam diferente. Como não dá para colocar todos os políticos na cadeia, escolhe-se quem se quer estabelecer como corrupto. Se o Lula receber um apartamento é corrupção, porque os juízes receberem estadias em um evento não é corrupção?”, questionou o advogado. Para Serrano, não há corrupção maior do que se apropriar do sentido comum do direito. Para ele, o judiciário está fazendo isso hoje e produzindo um Estado de Exceção. Fonte: Contraf-CUT