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Com terceirização, STF respalda modelo econômico excludente

30/08/2018 - Por Bancários CGR

No setor bancário, terceirizados chegam a ganhar até 70% menos do que trabalhador direto; para pesquisadora da Faculdade 28 de Agosto, escolha do modelo econômico atual é manter um pequeno núcleo de trabalhadores protegidos e uma grande massa de empregados vulneráveis

Ao julgar duas ações que tratam da terceirização, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a prática sem restrições, conforme o interesse das empresas. O entendimento enterra a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que vedava a medida em atividades-fim das empresas e era o único instrumento para barrar uma terceirização desenfreada no país.

O julgamento foi retomado na quarta-feira 22 sob a existência de uma nova lei em vigor, a 13.429, que libera a terceirização, mas para o ministro Luiz Fux a prática já era válida mesmo antes. Ele considerou inconstitucional a Súmula 331, “por violação aos princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual”.

Fux é relator do Recurso Extraordinário (RE) 958.252, em que a Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) questiona decisão do TST contrária à terceirização na empresa.

O STF julga também a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, proposta pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que pede reconhecimento de inconstitucionalidade da interpretação da Justiça do Trabalho sobre terceirização. A entidade empresarial afirma que a Súmula 331 fere a liberdade de contratação.

Relator da ADPF, Luís Roberto Barroso também se manifestou a favor da livre iniciativa e afirmou que o movimento sindical deve se adaptar às mudanças. “A terceirização não enseja por si só precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo de sua contratação que pode produzir tais violações", disse o ministro.

Para a professora e pesquisadora da Faculdade 28 de Agosto, Ana Tercia Sanches, apenas pequenos nichos de excelência terceirizados não significaram precarização.

“Isso é muito isolado. Agora quando você pensa a massa de trabalhadores você vai ver que precariza a relação de trabalho em relação a contratação direta. Vários autores da economia, da sociologia, muito respeitados internacionalmente [apontam] que o modelo de capitalismo em vigor cada vez mais concentra um núcleo pequeno de trabalhadores em boa situação, em contratação direta, com PLR, salários elevados, e que na franja, na grande periferia em torno desse núcleo, estão os trabalhadores precários, vulneráveis,  com contratos rebaixados em relação a esses trabalhadores privilegiados. A escolha, a modelagem do capitalismo contemporâneo é ter um pequeno núcleo de trabalhadores protegidos e uma grande massa desprotegida.”

Terceirizados de bancos ganham 70% menos que trabalhadores diretos

De dez acidentes de trabalho no Brasil, oito acontecem, em média, com funcionários terceirizados, de acordo com pesquisa da CUT, em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo também aponta a precariedade do emprego terceirizado: os trabalhadores terceirizados ganham em média 25% menos do que os empregados diretos – e no setor bancário chega a ser 70% menos –; têm jornadas maiores (trabalham em média 3 horas a mais por semana) e ficam menos tempo em cada emprego (em geral saem antes de completar três anos, enquanto que a média de permanência do funcionário direto é de 5,8 anos).

Na retomada do julgamento, na quinta-feira 23, o ministro Alexandre de Moraes marcou 3 a 0 para o setor empresarial, afirmando que a Constituição adotou o sistema capitalista e portanto segundo ele, desde os anos 1970 os países europeus deixaram de fazer distinção entre atividade-fim e atividade-meio.

“Todos os países capitalistas, ao longo de sua história, fazem escolhas na forma de gerenciar as empresas, de regular o lucro, regular a tributação. Ou seja, é uma escolha da sociedade como isso será feito e o agravante, ainda mais quando ele [Moraes] cita essa questão dos países desenvolvidos da Europa, que desde os anos 70 não tem nenhum bloqueio à terceirização, há uma questão muito simples: esses países são desenvolvidos economicamente e portanto asseguram para  população um estado de bem estar social as garantias básicas que uma pessoa precisa: saúde, educação, transporte de qualidade, segurança, previdência. Esses países asseguram isso para as suas população”, ressalta Ana Tercia Sanches.

O ministro Edson Fachin concordou com a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), questionada no julgamento. “Não há mácula à independência dos poderes. Nada impede a atuação do Judiciário, sobretudo neste caso, à luz da CLT.”

Rosa Weber também se posicionou contra a terceirização ilimitada e reafirmou entendimento de que o trabalho é um valor humano e não uma mercadoria, conforme havia dito a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “Não se cogita de Estado social ou Estado democrático de direito que não se assente em sólida proteção ao trabalho e equilíbrio entre os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa”, declarou.

Na sequência, Dias Toffoli, futuro presidente do STF, avaliou que as duas correntes na Corte mostravam “fundamento formal e preocupação com a questão social”. Mas ele considerou a visão favorável à terceirização ilimitada.

Ricardo Lewandowski limitou-se a acompanhar os votos divergentes dos relatores, somando-se a Fachin e Rosa. Em seguida, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, suspendeu a sessão quando o placar estava em 4X3 a favor da terceirização.

Na quarta-feira 28, o julgamento chegou a um placar de cinco votos a favor e quatro contrários à terceirização, quando dois ministros apresentaram seus votos.

Gilmar Mendes apoiou a terceirização de todos os tipos de atividade. "Não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização. Isolar o Brasil neste contexto global seria condená-lo à segregação econômica em uma economia globalizada", disse.

Terceirização vai concentrar renda

“Acontece que o Brasil já é muito desigual, então quando você desregula e flexibiliza mais ainda o mercado de trabalho, você está atingindo diretamente o bem estar da população  que não tem esses serviços garantidos a população de baixa renda, então esse modelo de gerenciamento que o ministro aposta, que é a terceirização, vai concentrar ainda mais renda, como apontam muitos estudos acadêmicos”, avalia Ana Tercia Sanches.

Marco Aurélio se declarou contra a terceirização irrestrita. “Hoje nós temos escassez de empregos e mão-de-obra incrível, com número indeterminado de pessoas desempregadas, então a preservação do direito do trabalho mais do que nunca se impõe, tendo em conta os interesses nacionais, e não os internacionais.”

O resultado dependia dos ministros Celso de Mello e da presidente Cármen Lúcia, quando a sessão novamente foi suspensa. Primeiro a votar nesta quinta-feira, Celso de Mello argumentou que é legítima a terceirização de atividades-fim das empresas.

“A terceirização, notadamente em face de sua nova e recente regulação normativa, não acarreta a temida precarização social do direito do trabalho, nem expõe trabalhador terceirizado a condições laborais adversas”, defendeu.

Modelo desumano

A presidente do STF, Cármen Lúcia, também usou argumentos relacionados à necessidade de criação de emprego no país para defender a terceirização.

“Com a proibição da terceirização, teríamos, talvez, uma possibilidade de as empresas deixarem de criar postos de trabalho e aumentar a condição de não emprego”, disse.

O voto de Cármen Lúcia contradiz estudo do Dieese com base em dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, que aponta que em 2010 deixaram de ser criadas mais de 800 mil novas vagas de trabalho por causa das terceirizações.

“Cada vez você vai ter mais muros subindo e mais violência, porque a maior parte dos trabalhadores vai estar precarizada. Você vê isso com a nova lei trabalhista, que legalizou contratos de trabalho parciais, temporários. Quando ocorre aumento do número de trabalhadores em trabalho parcial, o trabalhador não consegue pagar INSS. Então ele vai ser velho e não vai ter previdência, não vai conseguir comprar um imóvel, vai depender de política publica para sobreviver. É um modelo de sociedade desumano e que a terceirização só joga lenha nessa fogueira”, critica Ana Tercia.

 
Fonte: Spbancarios, com informações da Rede Brasil Atual e da Folha de S. Paulo
 

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