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Como novas tecnologias impactam na movimentação de empregos do ramo financeiro

23/08/2025

Impulsionados por investimentos recordes em IA, bancos veem seus lucros crescerem substancialmente, paralelamente fecham agências e terceiriza serviços; enquanto isso, sem as mesmas responsabilidades trabalhistas que os bancos, fintechs ganham espaço no SFN

Na mesa "Novas Tecnologias, reestruturação e transformação do emprego no ramo financeiro", realizada neste sábado (23), durante a 27ª Conferência Nacional dos Bancários, as economistas Vivian Machado e Rosângela Vieira, do Dieese, trouxeram dados para ajudar o movimento sindical no debate sobre proteção dos direitos trabalhistas conquistados pela categoria.

"O Sistema Financeiro Nacional (SFN) passa por uma reestruturação provocada não apenas pelas inovações tecnológicas, mas também pela desregulamentação na legislação trabalhista, alterações na regulamentação determinada pelo Banco Central e a entrada de novos agentes", destacou Vivian.

Sobre os impactos tecnológicos, a economista observou que, enquanto no mundo o orçamento em tecnologia dos bancos cresceu 35%, entre 2018 e 2023, no Brasil esse crescimento foi de 97%. "E, para 2025, os bancos devem investir perto de R$ 50 bilhões em tecnologia", completou.

O resultado disso é a forte mudança na forma como as transações financeiras acontecem hoje. Dados mais recentes, da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), mostram que, em 2024, 75% das transações estavam sendo feitas pelo celular (mobile banking).

Vivian também apontou que os bancos têm usado intensamente a automação nos processos. "Mais de oito em cada dez bancos já incorporam IA generativa (GenAI) nas operações", continuou. "E essa intensificação no uso das novas tecnologias está gerando ganhos de eficiência mensuráveis. O levantamento da Febraban aponta que os bancos registraram taxa de eficiência superior a 20% após a implementação da IA e da IA generativa", completou.

Por outro lado, os avanços tecnológicos também aumentam os riscos sobre o SFN. "Tivemos casos emblemáticos e muito recentes nesse sentido, como o desvio de R$ 800 milhões, por hackers, após invadirem empresa que conectava instituições ao PIX. Esse cenário está, inclusive, aumentando a relevância da cibersegurança para o setor", destacou.

Emprego bancário

Diante de todas essas transformações, os lucros dos bancos do país continuam em expansão. "Aliás, o crescimento foi substancial: em doze meses, os cinco maiores bancos aumentaram seus lucros em R$ 126,7 bilhões, alta média de 18%", pontuou Vivian Machado.

Por outro lado, desde 2016 o setor bancário fechou 6.700 agências (com redução de 30%). Esse movimento foi contrário ao das cooperativas de crédito, que abriram 4.785 postos de atendimento (alta de 102% no período) e dos Correspondentes Bancários (Cobans), que possuem cerca de 240 mil postos de atendimento, 14 vezes mais do que as agências bancárias atualmente.

"O que nos chama a atenção é que a maioria esmagadora dos 20 maiores contratantes dos Cobans são bancos. Ou seja, os bancos poderiam prestar esses serviços, mas estão encolhendo suas estruturas, terceirizando", ressaltou a economista do Dieese.

As cooperativas de crédito também tiveram crescimento expressivo: em 2013 eram responsáveis por 11% da rede de atendimento, percentual que passou para 28%, em 2024. "Atualmente, os produtos e serviços oferecidos pelas cooperativas abrangem todas as esferas de produtos bancários", acrescentou Vivian Machado.

Das 10 instituições financeiras com mais clientes no país, hoje quatro são instituições de pagamento: NuBank, Mercado Pago, PicPay e PagSeguro. "Aqui, nós entramos no debate das fintechs, empresas de tecnologia que atuam no sistema financeiro. As que hoje são abarcadas pela regulamentação do Banco Central somam 330 instituições, ante 175 bancos. As maiores fintechs, oferecem contas, cartões, empréstimos, financiamentos, investimentos, seguros, tal como um banco", observou.

Como forma de assegurar o emprego bancário, diante das mudanças tecnológicas no SFN, Vivian ressaltou as conquistas do movimento sindical bancário, nas última Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), incluindo mesa permanente de negociações sobre os impactos da IA nos empregos e o compromisso dos bancos de investirem na requalificação voltada às novas tecnologias.

 

Transformações geram precarização e desafiam trabalhadores

Durante sua palestra, Rosângela Vieira apresentou dados detalhados sobre a reestruturação do setor financeiro brasileiro e seus impactos sobre os trabalhadores. Segundo ela, as mudanças são profundas e afetam tanto a quantidade quanto a qualidade dos empregos no segmento. “O ramo financeiro formalmente emprega cerca de 1 milhão de trabalhadores, mas a categoria bancária, que já foi majoritária, hoje representa apenas 424 mil. Em 2015, os bancários eram 59% desse universo; em 2024, são 42%”, destacou Rosângela, mostrando que a redução da presença tradicional dos bancários é significativa.

A especialista chamou atenção para a crescente precarização das relações de trabalho. “Os bancos continuam lucrando alto, mas estão reduzindo postos de trabalho formais e substituindo por terceirização, pejotização e modalidades precárias. Isso fragiliza salários, direitos e a própria organização coletiva”, criticou.

Entre os exemplos citados, Rosângela mencionou o avanço dos Correspondentes Bancários (Cobans), que já somam mais de 200 mil pontos de atendimento, 13 vezes mais do que as agências tradicionais. Ela também ressaltou o crescimento dos agentes autônomos de investimento, que quadruplicaram desde 2016.

A palestrante trouxe casos específicos para ilustrar a chamada “terceirização fraudulenta”, destacando o Santander. “Entre 2020 e 2024, o banco reduziu em mais de 18 mil o número de bancários, mas, no mesmo período, o grupo cresceu em 16% no total de trabalhadores. A transferência de funcionários para empresas como a F1RST, que paga salários em média 23% menores e ainda se beneficia de isenções fiscais, mostra bem o processo de precarização em curso”, explicou.

Rosângela também abordou a transformação das ocupações dentro dos bancos. Ela destacou o crescimento das funções relacionadas à tecnologia. “Enquanto funções como caixa e escriturário estão desaparecendo, cresce o número de trabalhadores em tecnologia da informação. Em 2013, apenas 2,7% das ocupações nos bancos privados eram de TI; em 2024, já são quase 13%”, disse, ressaltando que 25% desses postos são ocupados por mulheres.

Outro tema debatido foi o impacto da Inteligência Artificial Generativa sobre as profissões bancárias. Citando estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ela explicou que ocupações como analistas financeiros e agentes de crédito estão entre as mais expostas. “A IA pode gerar eficiência, mas também ameaça empregos. É fundamental que as negociações coletivas avancem para garantir que a tecnologia seja usada para melhorar condições de trabalho, e não para substituir trabalhadores sem diálogo”, defendeu.

Rosângela lembrou ainda que o Marco Regulatório da IA (PL 2.338/2023) prevê diretrizes importantes para proteger os trabalhadores, incluindo a necessidade de negociação coletiva antes de demissões em massa, avaliação de impacto algorítmico e supervisão humana em decisões automatizadas.

Para ela, a vigilância da categoria é essencial. “Estamos falando de um processo multifacetado, que envolve tecnologia, regulação, economia e política. Nossa tarefa é lutar para que os empregos bancários sejam preservados, para que os direitos não sejam destruídos e para que a sociedade não pague a conta da precarização”, concluiu Rosângela Vieira.

Fonte: Contraf-CUT

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