Movimento sindical deve assumir debate sobre drogas

02/08/2013 - Por Bancários CGR

altA Central Única dos Trabalhadores promoveu nesta quarta-feira (31), em São Paulo, um seminário para discutir a perspectiva de um mundo sem drogas.

Com o objetivo de ir além da criminalização, os debates apontaram para duas frentes: a necessidade de uma intervenção humanizada e a discussão sobre drogas a partir do aspecto econômico.

Secretária-Geral Adjunta da CUT, Maria Godói de Faria, destacou a competitividade no mundo do trabalho como um dos fatores que induzem ao uso e falou também sobre o diálogo precário entre as várias esferas do Executivo na implementação de políticas.

“O governo federal pensa, planeja e financia, enquanto o estadual faz cara de paisagem ou, no máximo, faz o mesmo que o Alckmin (governo de São Paulo), promove uma limpeza étnica.”

Para o secretário-Adjunto de Saúde do Trabalhador, Eduardo Guterra, o movimento sindical precisa ser audacioso para discutir o tema de maneira transparente.

“Existe grande preconceito com o tema e devemos nos questionar: o movimento sindical está preparado para debater? Como poderemos cobrar, se não estamos preparados para falar sobre drogas abertamente?”

Papel do Estado

Diretor de Articulação e Coordenação de Políticas sobre Drogas da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Leon Garcia, falou sobre o programa de enfrentamento ao crack e outras drogas, que a presidenta Dilma Rousseff lançou em 2011, e tem como princípio a aproximação ao usuário.

Ainda sobre o papel do Estado, ele citou o Poder Judiciário que, segundo ele, atua de maneira conservadora e não ajuda a resolver o problema.

“De 2007 a 2012, aumentou de 60 mil para 140 mil o número de usuários e pequenos traficantes presos que, muitas vezes, passam a comercializar para sustentar o consumo. E a cadeia, o crime organizado, acaba sendo a única instituição que recebe essa pessoa. Por isso o governo é contra o aumento da pena ao pequeno traficante”, explicou.

Garcia defendeu também a realização de uma Conferência Nacional sobre o tema para qualificar e levar o debate ao conjunto da sociedade.

Papel da CUT - Ao mesmo tempo em que concordou com a necessidade de o governo Dilma melhorar a interlocução com os movimentos sociais para eleaborar políticas sobre drogas, Garcia também apontou a necessidade de a CUT assumir um papel de protagonista para impedir que a discussão seja dominada pelo conservadorismo.

“Os movimentos sociais precisam tratar a droga como problema social complexo, porque, nesse momento, quem pauta é o movimento conservador e reacionário, que coloca como uma questão moral. Os segmentos progressistas devem trabalhar com a ideia de transversalidade: precisam cobrar para que estados e municípios tratem a questão como prioridade e para que aumente a importância na pauta do governo federal, discutindo, também, educação, moradia, saúde, segurança. Mas isso só sairá com muita luta”, acredita.

Representante do Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Marcus Vinicius Silva fez críticas ao Conad, segundo ele, um organismo que “não coordena nada, não participa de plano e política nenhuma e tem sido uma farsa.”

Também para ele, a Central pode ser uma aglutinadora para que o conselho tenha outro papel. “A CUT pode articular as demais centrais para que assumam também compromisso de discutir o tema das drogas. Reafirmando um apelo classista, cidadão e democrático. Está faltando o debate de vocês, porque a classe trabalhadora é quem pode politizar o tema.”

Álcool é mais destrutivo – Silva criticou a diferenciação que se faz entre drogas lícitas e ilícitas e ressaltou o papel destrutivo do álcool. “O crack não é a droga mais problemática do país, basta ver que o álcool é a droga que mais mata, gera absenteísmo, dispensa e exclusão. Se movimento sindical quer discutir as drogas, tem que discutir o álcool, que conta com propagandas de homens e mulheres bonitas o tempo todo”, afirmou.

Política e racismo – Com esse gancho, ele comentou o caráter racial das políticas públicas que tratam da dependência química.

"Até cinco anos atrás ninguém estava preocupado com droga e agora mudou porque houve uma mobilidade social com o governo Lula, o problema migrou e chegou à classe média, que tem poder de opinião e mobilização”.

Para ele, o grupo discriminado pelo uso da maconha, no início do século passado, é o mesmo que hoje é vítima do crack.

“O Brasil foi o primeiro país a propor a proibição da maconha, em 1917, porque era fumado pelo negro, um costume da senzala para relaxar diante da dura realidade. Também nunca houve uma política pública para tratar do problema do álcool, porque era considerado uma questão relacionada ao negro. E o mesmo grupo social que conviveu com o rótulo de ser taxado maconheiro e, depois, cachaceiro, agora é chamado de crackeiro.”

Questão econômica...Segundo Silva, há ainda uma indústria interessada na internação compulsória e outra na aflição cotidiana. “O que se tenta em diversos programas é repassar o problema para a iniciativa privada, ao invés de fazer capacitação de pessoas e maior investimento no Sistema Único de Saúde (SUS). As clínicas particulares lucram com a permanência do usuário e não com a recuperação. E não podemos esquecer que a indústria farmacêutica, com os psicofármacos, das drogas relaxantes e anestésicas, é mais lucrativa do mundo.”

E de comunicação...Ele também defendeu a livre distribuição da boa informação, para aumentar o nível da discussão. “Ter uma opinião é diferente de ter posição. A gente tem posição quando tem argumentos, quando estuda, debate e é convencido. Com o controle dos meios de comunicação por oito famílias fazendo a cabeça, destilando preconceito com suas análises a partir do que mandam os chefes das editorias, fica difícil”, condenou.

Repressão é solução? - Representante da Comissão de Fábrica da Scania, Régis Guedes falou sobre um programa de apoio a dependentes químicos, que atendeu a 250 pessoas e treina lideranças da empresa para observar sintomas nos trabalhadores e encaminhá-los ao tratamento.

Enquanto por um lado essa iniciativa mereceu elogios, por outro, o teste de uso de drogas feito aleatoriamente em todos os funcionários e em 100% dos novos contratados gerou críticas.

Os trabalhadores identificados com o problema passam por internação: da primeira vez, a empresa arca com 84% dos custos do tratamento, na segunda, os gastos ficam a cargo do funcionário e, na terceira, o empregado sofre pressão para deixar dependência ou tem o emprego ameaçado.

Apesar de defender a importância da criação do programa, Guedes questiona a real preocupação da empresa ao fazer a internação.

“Com o que a empresa está realmente preocupada? O trabalhador é internado por sintomas ou queda de produção e absenteísmo? Porque nunca vi uma pessoa com alta performance ser internada.”

Contra o proibicionismo - À tarde, na mesa “Estratégias de enfrentamento às drogas”, o pesquisador do Cebrap, antropólogo e membro da Rede Pense Livre, Maurício Fiore, criticou a “corrente atual, proibicionista” e apontou como, ao longo do tempo, a criminalização foi sendo a panaceia para a resolução do problema, tendo um dos seus pontos altos no ano de 1970, quando o presidente Richard Nixon declarou as drogas como “o inimigo público número 1 dos Estados Unidos”.

A explosão do consumo, naturalmente, refletia a tentativa de fuga de milhões de jovens estadunidenses de encarar a realidade em que o país e eles próprios estavam imersos com a Guerra do Vietnã e todos os traumas dela decorrentes.

Na avaliação de Fiore, “ao proibir a produção, o comércio e o consumo, o Estado potencializa um mercado clandestino e cria novos problemas”. Como resultado desta política de criminalização pura e simples, declarou, entre 2006 e 2010 houve um aumento de 8,5% no encarceramento e 62% no encarceramento por drogas. Dos 560 mil presos no Brasil, 140 mil são por tráfico, principalmente jovens pobres. A maior parte das mulheres presas em nosso país também são jovens condenadas por tráfico e que, por ser algo equiparado a “crime hediondo”, amargam penas de cinco a 15 anos. “O Estado prende a pessoa e leva junto os descendentes. É algo que impacta toda a família”, frisou.

“O tráfico interessa muito ao mercado financeiro. Recentemente o banco HSBC foi condenado por usar o dinheiro do tráfico nos EUA e na Inglaterra, e o que ocorreu? Tiveram que pagar uma multa e só. Afinal, são eles os beneficiados dos paraísos fiscais, das máfias ilícitas. Os criminosos estão lá, não em Capão Redondo”, concluiu.

Fonte: CUT Nacional
Foto: Roberto Parizotti

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